A
Copa do Mundo está em pleno andamento e as previsões catastróficas sob o
epíteto do “Imagina na Copa” não se confirmaram. As manifestações
contrárias, até agora, foram pífias. E os ensaios de quem desejaria
desabafar com o despudorado “tenho vergonha de ser brasileiro” não
encontrou ainda o seu respaldo nem audiência que o valha. Os turistas,
que muitos esperavam passar pitos de reclamações bem fundamentadas pelos
maus serviços públicos disponíveis, esses parecem não ligar e se
mostram até mesmo mais alegres que os anfitriões brasileiros.
Nada
disso, porém, faz desaparecer os problemas por demais conhecidos, nem
exime as autoridades de suas responsabilidades, tampouco esvanece a
justeza das reclamações emanadas do povo contra a incompetência das
autoridades públicas diante dos problemas nacionais. Ademais, jamais
deverá obscurecer a capacidade virtuosa de colocar a nossa vergonha na
cara a serviço de alguma coisa boa e proveitosa.
Se
o Brasil ganhar a Copa, sua vergonha diminuirá de importância? Se
perder, aumentará? Se você não liga, deveria pelo menos questionar a
motivação da sua propalada vergonha. Isto porque vergonha na cara não é
somente um artigo raro, é também inerente aos cidadãos de bem.
Na
opinião de Capistrano de Abreu, a Constituição Federal deveria conter
apenas dois artigos. Primeiro: “Todo brasileiro deve ter vergonha na
cara”. Segundo: “Revogam-se as disposições em contrário.” Mas
pergunta-se: Vergonha para quê?
Rui
Barbosa, em discurso no Senado Federal, em 17 de dezembro de 1914,
declarou: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se
os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a
rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Rui
Barbosa fez este desabafo ao defender o requerimento sobre uma chacina
de presos conhecida como “Caso Satélite”. A impunidade dos assassinos
confessos, depois de quase quatro anos decorridos do crime, o motivou a
fazer esse inflamado discurso. O que tinha de observação do cotidiano,
seu discurso tinha também de profético. Pois ainda hoje, decorrido quase
um século, a impunidade no Brasil perdura e recrudesce. Isso não e
novidade, é apenas o reflexo da continuidade do triunfo das nulidades,
da prosperidade da desonra, do crescimento da injustiça e do
agigantamento do poder nas mãos dos maus.
Essa
total inversão de valores não seria, hoje, o princípio que subjaz nos
famigerados casos de corrupção no Congresso Nacional? Ora, não estaria
isso também entranhado em outros setores da vida nacional?
Quando
homens públicos procedem na contramão da honra, agem como quem acredita
que não é o cachorro que abana o rabo, mas o rabo abana o cachorro.
Felizmente a sociedade tem instrumentos para reciclar-se e fazer
incisões eleitoralmente cirúrgicas para extirpar esses “apêndices”
supurados de sem-vergonhice.
Mas
esse não é o problema maior, que são os danos que suas posturas
despudoradas e infames causam nas pessoas de bem, as que são
interiormente susceptíveis de desânimo crônico.
O
desânimo quanto ao exercício da virtude faz com que cidadãos, incapazes
de sujar suas casas, joguem lixo nas ruas; faz com que cidadãos,
incapazes de furar uma fila de banco, permitam-se a levar vantagem e
passar na frente dos carros que estão enfileirados num retorno de pista
única; faz com que cidadãos, mesmo tratando bem seus pais e filhos, não
estendem o mesmo tratamento a velhos e crianças desconhecidos — antes,
não lhes dão o lugar num coletivo lotado, não lhes cedem seu lugar na
fila, não lhes dão prioridade na passagem de um cruzamento.
O
mau exemplo é contagioso. Um atleta famoso, pelo simples desejo de
ganhar mais dinheiro, se torna garoto propaganda de bebida alcoólica. É
lícito, mas não convém. Pois fatalmente será responsável pelo descaminho
de tantos garotos que, mirando-se no seu anunciado “exemplo”, no máximo
se transformarão em bêbados contumazes.
A
despeito de qualquer coisa errada ou fora de lugar, não desista nem
desanime da virtude. Ainda que debochem de quem devolve o dinheiro
achado, continue fazendo a coisa certa; ainda há quem devolva. Ainda que
desdenhem de alguém ser gentil com uma mulher e abrir-lhe a porta do
carro, mantenha a sua educação; ainda há que abra portas para mulheres.
Ainda que desdenhem de quem é honesto e não se vende, mantenha a
esperança; ainda há pessoas que não têm preço. Ainda que filhos ingratos
desrespeitem e não honrem os próprios pais, seja fiel em cumprir o
mandamento de Deus; ainda há quem o faça.
Honestidade
é virtude, mas é também obrigação. Por isso, não tenha vergonha de ser
honesto, pois é seu dever. Tenha, antes, vergonha dos desonestos. Quem
sabe, um dia se toquem de que o tempo deles passou, pois a própria
História os varrerá para debaixo do tapete de suas insignificâncias.
Não
tenha vergonha de pertencer à Igreja de Jesus, tenha antes vergonha
daqueles que, semeando divisão e motivados pelo desejo de dominação do
rebanho de Deus, envergonham a Cristo.
Constantemente
lê-se sobre algum cidadão dizendo-se com “vergonha de ser brasileiro”.
Mas não tenha vergonha de ser brasileiro; tenha, antes, vergonha dos
brasileiros que não têm vergonha na cara.
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém