3.9. Os mártires de
Alexandria durante a perseguição de Décio (249-251) De uma carta de São
Dionísio a Fábio, bispo de Antioquia, trazida por Eusébio de Cesaréia na História
Eclesiástica, l. VI, c. 40,1-42,6. "A perseguição, entre nós, não teve
início com o edito imperial, mas foi retardada de um ano, até quando chegou a
esta cidade um adivinhador e tecelão de erros, quem quer que fosse, provocando
e excitando contra nós a multidão dos gentios, atiçando outra vez a sua
superstição congenial. Excitados por ele e levados a tirar da licenciosidade
desenfreada todo gênero de impiedade, consideravam assassinar-nos como o único
ato de devoção e culto que lhes era devido.
A primeira vítima foi um velho chamado Metras, que capturaram e tentaram obrigar a
blasfemar; como ele não se rendesse a suas imposições, bateram nele e
atravessaram seu rosto e olhos com bambus aguçados, levando-o depois à
periferia da cidade onde delapidaram-no.
Uma mulher chamada Quinta foi levada até diante do altar dos
ídolos, onde os pagãos tentaram obrigá-la a um ato de adoração: tão logo ela
retesou o corpo com profunda sensação de desgosto, foi amarrada e arrastada
pelos pés através da cidade, fazendo com que batesse contra as grandes pedras
do duro calçamento. Levando-a ao mesmo lugar suburbano, delapidaram-na.
Depois disso os pagãos lançaram-se juntos sobre as casas dos cristãos e,
irrompendo nas residências que cada um sabia pertencer aos próprios vizinhos,
cumpriram toda sorte de roubos e saques. Separavam cuidadosamente os objetos
mais preciosos, e jogavam das janelas e queimavam pelas ruas os mais rudes e os
que eram feitos de madeira.
O espetáculo apresentado parecia o de uma cidade tomada pelos inimigos.
Os irmãos procuravam fugir e esconder-se, e acolheram com alegria também o
saque de seus bens, semelhantes àqueles dos quais deram testemunho o apóstolo
Paulo (Hb 10,34). Não sei se houve naquela circunstância, alguém que renegasse
a Cristo, a menos que se tratasse de uma pessoa caída nas garras dos
adversários.
Outra nobilíssima vítima foi a anciã Apolônia: os pagãos prenderam-na, fizeram
arrancar todos os seus dentes, com murros dados nas faces e, depois, acesa uma
fogueira diante da cidade, ameaçaram queimá-la viva caso não pronunciasse com
eles as palavras ímpias, que eram a mensagem da blasfêmia pagã. A mulher,
porém, depois de ter pedido vivamente que lhe deixassem à disposição um breve
tempo, tão logo viu-se livre saltou sobre o fogo e foi queimada.
Serapião foi preso em casa:
submeteram-no a duros tormentos, quebraram-lhe os ossos e finalmente
lançaram-no de cabeça do andar superior. Não se podia percorrer nenhuma rua,
larga ou estreita, de noite ou de dia, sem ouvir sempre e em todos os lugares
as gritarias da multidão e, se alguém não entoava em coro com eles as palavras
ímpias, era arrastado e queimado vivo.
A perseguição continuou por muito tempo nesse tom de violência, até
quando a sedição e a guerra civil, que sucederam às desventuras anteriores, não
levaram os pagãos a voltar-se reciprocamente a crueldade que antes tinham
dirigido sobre nós.
Vivemos tranqüilos por algum tempo, durante a trégua que os pagãos
tinham feito ao ódio contra nós, mas bem logo foi-nos anunciada a notícia da
mudança do poder imperial, antes muito benévolo, e reacendeu-se com a máxima
intensidade o terror de uma nova ameaça contra a nossa comunidade.
Foi promulgado o edito, talvez o mais terrível de todos os que nosso
Senhor tinha predito, a ponto de escandalizar, se for possível, também os
eleitos. É certo que todos ficaram arrasados. Entre as pessoas mais conhecidas
na cidade alguns, por medo, aderiram às ordens do edito, outros, que cobriam
encargos públicos, foram levados a obedecer ao edito da sua própria posição,
outros ainda foram arrancados à vida familiar.
Chamados pelos nomes, alguns apresentavam-se pálidos e trementes diante
dos sacrifícios ímpios e sacrílegos, como se não fossem sacrificar, mas fossem
eles próprios as vítimas destinadas aos ídolos; entretanto a multidão girava ao
redor dos altares pagãos fazendo burla sobre eles, porque mostravam claramente
estar com medo, tanto da morte como do sacrifício.
Outros, porém, corriam intrépidos aos altares, declarando com desfaçatez
que não eram cristãos e nem sequer o tinham sido no passado. Será verdade para
eles a predição do senhor, que dificilmente se salvarão.
Dos restantes, houve quem agregou-se ao primeiro grupo, quem ao segundo,
enquanto outros fugiram. Entre os que foram presos, uma parte resistiu ao
cárcere e às correntes em que foram mantidos por muitos dias, mas depois
abjuraram, antes de se apresentarem ao tribunal; outra parte suportou os
tormentos também por um certo tempo, mas acabaram abjurando também eles.
Outros cristãos, entretanto, colunas sólidas e prósperas do Senhor,
corroborados pela sua graça, tiraram a constância e a energia da fé que os inspirava
tornando-se, assim, testemunhas admiráveis do seu reino.
Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa