Resultados de Pesquisa

.

2 de abril de 2008

Cúpula da Otan começa hoje em clima de Guerra Fria

MARCELO NINIO da Folha de S. Paulo

As divergências sobre o ritmo e a profundidade com que a Otan deve se ampliar para o leste dominam a cúpula anual da aliança militar ocidental, revivendo tensões da Guerra Fria. Entre os líderes presentes à reunião, que começa hoje em Bucareste, estarão o americano George W. Bush e o russo Vladimir Putin --ambos em sua última participação no encontro como presidentes.

A Rússia não integra a Otan, mas participa de um conselho paralelo à aliança e de suas cúpulas desde o fim da União Soviética, em 1991.

Diplomatas dos 26 países-membros buscavam ontem uma fórmula que acomodasse as posições divergentes: de um lado, os Estados Unidos defendem conceder à Ucrânia e à Geórgia o status de pré-candidatas; de outro, países europeus como Alemanha e França consideram o passo prematuro, enquanto a Rússia ameaça retaliar à chegada da organização atlântica a suas fronteiras.

Alegando não ser "o momento certo", a Alemanha já sinalizou que não apoiará o desejo americano de convidar as duas ex-repúblicas soviéticas para o plano de adesão (MAP, na sigla em inglês), um estágio preparatório para a entrada na aliança. Como as decisões na Otan são tomadas por consenso, a oposição alemã representa um veto. Ontem, a França indicou que está do lado dos alemães.

A Alemanha alega que falta estabilidade política na Geórgia, com conflitos separatistas e repressão do Estado à oposição. No caso da Ucrânia, o que falta é apoio popular à Otan. Em uma pesquisa recente, menos de 20% dos ucranianos se disseram a favor da entrada do país na aliança.

A sombra de Moscou, entretanto, é visível na postura alemã. Entre os membros mais importantes da União Européia, a Alemanha foi o país que mais demonstrou, nos últimos anos, disposição de levar em consideração as preocupações de segurança da Rússia. Berlim teme que a aproximação prematura de Ucrânia e Geórgia feche as portas do Kremlin à colaboração em assuntos delicados, como desarmamento, e as torneiras do gás que consome -a maior parte dele, russo.

Afeganistão

Não faltarão temas controversos na agenda da cúpula. Criada em 1949 para fazer frente ao bloco socialista, a aliança militar se reúne hoje em um país que já fez parte da esfera de influência soviética para discutir uma nova ampliação rumo ao leste. Outro assunto que ocupará o topo da agenda é o Afeganistão, onde a Otan tem cerca de 45 mil soldados. O número é insuficiente, segundo os EUA, que pressionam os aliados para enviar mais tropas.

Ontem o premiê da França, François Fillon, disse que o país poderá enviar "algumas centenas" de soldados a mais, para se juntarem aos 1.500 que já tem no Afeganistão. EUA, Canadá e Reino Unido têm enfatizado aos aliados a importância de reforçar o contingente para conter o ressurgimento do Taleban, mas a maioria dos países esbarra na resistência da opinião pública e da oposição.

Durante a cúpula de Bucareste, a Otan deverá formalizar o convite a mais três países, Croácia, Albânia e Macedônia.

Embora a adesão à Otan de países do Leste Europeu seja sempre acompanhada de tensões com a Rússia, um convite à Ucrânia é visto por Moscou como um desafio explícito a seu espaço de influência e uma ameaça ao equilíbrio de forças na Europa. Alheio às advertências do Kremlin, Bush evitou meias palavras ontem na escala que fez na Ucrânia, antes de desembarcar em Bucareste.

"Ajudar a Ucrânia a se mover rumo à adesão à Otan é do interesse de todo membro da aliança e ajudará a segurança e a liberdade na região", disse o presidente americano em Kiev, ao lado do presidente ucraniano, Viktor Yushchenko. "Conversei com os líderes, e eles me garantiram que a Rússia não teria veto nisso. Espero que eles mantenham a palavra."

O vice-chanceler da Rússia, Grigory Karasin, reagiu ao encontro em Kiev afirmando que a entrada da Ucrânia na Otan gerará "uma profunda crise" entre os dois países. Ele não quis especificar as ações que Moscou tomaria, mas parlamentares russos sugeriram que a Rússia pode cancelar o Tratado de Amizade, documento que demarcou a fronteira com a Ucrânia após a dissolução da União Soviética, em 1991.

O secretário-geral da Otan sugeriu ontem que a saída para o dilema é uma fórmula que permita a americanos e alemães cantarem vitória sem dar a impressão de que o veto russo funcionou. Apesar de dizer que a adesão de Ucrânia e Geórgia é uma "questão de tempo", Jaap de Hoop Scheffer não descartou um adiamento. Mesmo com o processo "congelado", disse, os dois países continuariam sendo vistos como candidatos potenciais.

www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u388087.shtml