A Aliança Patriótica para a Mudança conseguiu quebrar a hegemonia de 61 anos do Partido Colorado à frente do governo do Paraguai, nas eleições de domingo. Com 40,82% dos votos, o ex-bispo Fernando Lugo elegeu-se presidente, batendo a candidata oficialista Blanca Ovelar (30,72% dos votos) e o general Lino Oviedo (21,98%), que liderou uma dissidência do Partido Colorado.
Fernando Lugo elegeu-se prometendo fazer profundas reformas políticas, sociais e econômicas no Paraguai. No início de sua campanha eleitoral, apresentou-se como um reformista radical, em tudo semelhante a Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Afirmava, por exemplo, que exigiria do governo brasileiro a revisão do Tratado de Itaipu, por considerar que seus termos espoliam o Paraguai de sua principal riqueza. Também anunciou uma reforma agrária que, na prática, significaria a expulsão de grande parte dos fazendeiros brasileiros - os brasiguaios - que há décadas se instalaram na faixa de fronteira.
No domingo, já como presidente eleito, seu discurso havia perdido a virulência inicial. Quanto ao Brasil, afirmou que fará “uma aproximação amistosa, no marco de um relacionamento sério e de respeito recíproco. Não guardamos o menor sentimento de confrontação em relação ao país irmão”. Sobre a reforma agrária, esclareceu que fará, inicialmente, um cadastro das terras e tratará de regularizar sua posse, não pretendendo expulsar os brasileiros que lá se instalaram. Também afirmou que as reformas que pretende fazer na estrutura do Estado paraguaio serão apenas iniciadas, pois os cinco anos de seu mandato não seriam suficientes para completá-las.
O tom agora moderado de Fernando Lugo é uma conseqüência natural da correlação de forças políticas evidenciada pelo pleito de domingo. A Aliança Patriótica para a Mudança tirou o Partido Colorado do poder, mas não obteve maioria suficiente para promover reformas radicais. A Aliança, na verdade, é uma coalizão feita sob medida para ganhar as eleições, não para governar. Ela é composta por 9 partidos políticos e 20 movimentos sociais, cobrindo um espectro ideológico que vai da centro-direita à extrema esquerda. O elemento mais poderoso desse conglomerado é o Partido Liberal Radical Autêntico, de centro, presidido por Federico Franco, que se elegeu vice-presidente. E, para Franco, as reformas terão de ser feitas aos poucos, sem sobressaltos, pois “o Paraguai não está preparado para uma esquerda ao estilo de Hugo Chávez”. O próprio Lugo reconhece que seu socialismo se distancia do de Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Daniel Ortega. Seu modelo, afirma, é semelhante ao do moderado presidente uruguaio, Tabaré Vázquez.
Não bastasse ter de conciliar interesses conflitantes na coalizão que foi formada há apenas oito meses, Fernando Lugo terá de administrar uma máquina estatal que se confunde com a máquina do Partido Colorado. Quase um terço da população tem a carteira de membro do partido - sem a qual ainda não se faz negócios ou se arruma emprego. Praticamente todos os postos da cúpula e dos níveis médios da administração pública estão ocupados por colorados.
Os eleitores, por sua vez, não foram muito generosos com Lugo. Deram-lhe a presidência, mas não a maioria parlamentar necessária para fazer, com alguma tranqüilidade, a reforma do Estado. Num Senado de 45 cadeiras, o Partido Colorado já ficou com 16 vagas; o Liberal, com 13; as duas dissidências do Colorado, com 9 e 4 cadeiras; e outras 3 ficaram com pequenos partidos de esquerda. Dos 17 departamentos, pelo menos 10 terão governadores colorados.
Com essa fragmentação, resta saber como Fernando Lugo poderá executar um programa de governo que inclui a criação de empregos para 100 mil famílias em obras públicas e comunitárias, a construção de 40 mil casas por ano e a distribuição de 30 mil lotes de terras para indígenas e camponeses, além de uma profunda reforma constitucional.
Ele certamente insistirá na revisão do Tratado de Itaipu, apesar de o presidente Lula ter dito, neste fim de semana, que não atenderá à reivindicação. Quando muito, o governo brasileiro concordará em aumentar o preço da energia excedente de Itaipu, mas não nos níveis pretendidos por Lugo.
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