Continuação
3.1. Os mártires de
Alexandria (Egito) "De uma carta de Filéias aos habitantes de Tmuis" Filéias,
bispo da Igreja de Tmuis, cidade a leste de Alexandria, era famoso pelos cargos
civis que ocupou em sua pátria, pelos serviços prestados e também pela cultura
filosófica. Jovem, nobre, riquíssimo, tinha mulher e filhos, e parece acertado
que fossem pagãos. Da prisão, escreveu uma carta em que descreve os massacres
de cristãos, que assistiu pessoalmente, e exalta a coragem e a fé dos mártires.
Padeceu o martírio por decapitação em 306. "Fiéis a todos esses
exemplos, sentenças e ensinamentos que Deus nos dirige nas divinas e sagradas
Escrituras, os bem-aventurados mártires que viveram conosco, sem sombra de
incertezas, fixaram o olhar da alma no Deus do universo com pureza de coração;
aceitando no espírito a morte pela fé, responderam firmemente ao chamado
divino, encontrando o Senhor nosso Jesus Cristo, que se fez homem por amor de
nós, para cortar o pecado pela raiz e dar-nos o viático para a viagem à vida
eterna.
O Filho de Deus, com efeito, embora sendo de natureza divina, não quis
valer-se da sua igualdade com Deus, preferindo aniquilar-se a si mesmo, tomando
a natureza de escravo e tornando-se semelhante aos homens, como homem
humilhou-se até à morte, à morte de cruz.
Os mártires, portadores de Cristo, aspirando, pois, aos mais elevados
carismas, enfrentaram todo sofrimento e todo gênero de torturas imaginados
contra eles, e não só uma, mas até mesmo uma segunda vez; diante das ameaças,
com que os soldados competiam entre si no lançar-se contra eles com palavras e
atitudes, não retrataram a própria convicção, porque "a caridade perfeita
afasta o terror" (1Jo 4,18).
Que discurso seria suficiente para narrar suas virtudes e sua coragem
diante de cada prova? Entre os pagãos, qualquer um podia insultar os mártires
e, por isso, alguns batiam neles com bastões de madeira, outros com vergas,
outros com chicotes, outros com cintos de couro, outros ainda com cordas.
O espetáculo dos tormentos era muito variado e extremamente cruel.
Alguns, com as mãos amarradas, eram pendurados numa trave, enquanto instrumentos
mecânicos puxavam seus membros em todos os sentidos; os carnífices, seguindo a
ordem do juiz aplicavam no corpo todo os instrumentos de tortura, não só nas
costas, como era costume fazer com os assassinos, mas também no ventre, nas
pernas, nas faces.
Outros, pendurados fora do pórtico, por uma só mão, sofriam a mais atroz
das dores pela tensão das articulações e dos membros. Outros eram amarrados às
colunas, com o rosto voltado um para o outro, sem que os pés tocassem o chão, e
pelo peso do corpo as juntas eram necessariamente esticadas pela tração.
Suportavam tudo isso não só enquanto o governador se entretinha a falar
com eles no interrogatório, mas por pouco menos de uma jornada. Enquanto o
governador passava para examinar os demais, ordenava aos seus dependentes que
olhassem atentamente se por acaso, alguém, vencido pelos tormentos, acenasse ao
cedimento, e impunha que se lhes estivesse inexoravelmente por perto, também
com as correntes e quando, depois disso, tivessem morrido, puxassem-nos para
baixo e arrastassem-nos pela terra.
Essa de fato, era a segunda tortura, pensada contra nós pelos
adversários: não ter nem sequer uma sombra de consideração por nós, mas pensar
e agir como se já não existíssemos. Houve também aqueles que, depois de terem
padecido outras violências, foram colocados no cepo com os pés separados até ao
quarto furo, de modo que necessariamente ficavam de costas no cepo, pois não
podiam ficar em pé por causa das profundas feridas recebidas em todo o corpo
durante o espancamento.
Outros, ainda, jogados por terra, jaziam subjugados pelo peso das
torturas oferecendo, de modo bem mais cruel aos espectadores, a visão da
violência feita contra eles, porque traziam as marcas das torturas no corpo
todo.
Alguns, nessa situação, morriam em meio aos tormentos, cobrindo de
vergonha o adversário com a própria constância; outros, semi mortos, eram
trancados na prisão onde expiravam poucos dias depois, sucumbindo às dores; os
que sobravam com a saúde recuperada graças aos cuidados médicos, animavam-se de
renovada coragem com o tempo e o contato com os companheiros de prisão.
Dessa forma, então, quando o edito imperial concedeu a faculdade de
escolher entre aproximar-se dos sacrifícios ímpios e não serem perturbados,
obtendo uma liberdade criminosa das autoridades do mundo, ou não sacrificar,
aceitando a condenação capital, os cristãos corriam alegres para a morte, sem
nenhuma hesitação.
Eles conheciam, de fato, o que
fora predestinado e anunciado pelas sagradas Escrituras: "Quem sacrificar
aos deuses estranhos - diz o Senhor - será exterminado" (Ex 22,20) e
"Não terás outro Deus além de mim" (Ex 20,3).
Conclui Eusébio: "São essas as palavras que o mártir, realmente
sábio e amigo de Deus, escrevia do cárcere aos fiéis da sua igreja, antes da
sentença capital, descrevendo a situação em que se encontrava, e exortando-os a
permanecer firmes na fé em Cristo, mesmo depois da sua morte, que estava
próxima" (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. X).