Ptolomeu e Lúcio
*3.6. Martírio dos
santos Ptolomeu, Lúcio e outro desconhecido O trecho seguinte é tirado da
segunda Apologia de Justino, que lhe foi inspirada pelo processo contra três
cristãos, realizado em Roma em 162 ou 163 sob o prefeito Úrbico. Pouco
posterior ao episódio, a narração é densa, sem divagações ou ornamentos
retóricos, fazendo brotar, porém, da trama pobre, a calorosa defesa do
cristianismo. Porque condenar pessoas cuja fé traduz-se numa regra de vida
austera e na recusa de qualquer culpa contra a natureza? É este o sentido das
palavras do mártir Lúcio, e é este o espírito de Justino, que poucos anos
depois teria, também ele, confirmado a fé com o sangue.
"Vivia uma mulher, esposa de um homem dissoluto, também ela
anteriormente dissoluta. Entretanto, quando veio ao conhecimento dos
ensinamentos de Cristo, não só começou a levar uma vida mais pura, como tentou
convencer igualmente o marido a converter-se, falando-lhe da nova doutrina e
anunciando-lhe o castigo do fogo eterno para todos os que levam uma vida impura
e sem princípios retos.
O marido, porém, persistindo nos maus procedimentos, fez com que o
espírito da mulher se afastasse pela sua má conduta, de modo que ela,
considerando imoral viver o resto de seus dias ao lado de um homem que buscava
o prazer das relações conjugais contra as leis da natureza e contra a justiça,
decidiu separar-se dele. Foi dissuadida pelos parentes, que lhe aconselhavam
ter ainda paciência, na esperança de que o marido mudasse de vida: ela, pois,
conseguiu forças e permaneceu ao seu lado. Foi-lhe referido, em seguida, que o
marido, tendo ido a Alexandria, cometia culpas ainda mais graves do que no
passado; a mulher não querendo tornar-se cúmplice de sua maldade e impiedade
permanecendo junto dele como esposa, dividindo com ele o leito e as refeições,
deu-lhe aquilo que chamais de "libelo de repúdio", e divorciou-se.
O cavalheiro do marido, em lugar de alegrar-se pelo fato de a mulher -
que antes se entregava aos servos e mercenários nas orgias da bebedeira, ter
abandonado aqueles hábitos culpáveis e querer levá-lo também a fazer o mesmo -,
despeitado com o divórcio obtido sem o seu consentimento, denunciou-a diante do
tribunal como cristã.
A mulher, senhor, apresento-te,
então, um memorial em que pedia, antes de tudo, que lhe fosse concedida a
administração dos próprios bens e, em seguida, a defesa da acusação, depois de
ter sabiamente organizado suas coisas, e tu lhe concedeste. O marido, não
podendo agir contra a mulher, voltou a acusação contra um certo Ptolomeu,
mestre dela na doutrina cristã. Foi essa a sua tática: persuadir um centurião
seu amigo, que colocara Ptolomeu na prisão, a pegá-lo de surpresa e fazer-lhe
esta simples pergunta: "És cristão?". Ptolomeu admitiu sê-lo, sincero
e sem qualquer subterfúgio que era, levando o centurião a mandar acorrentá-lo e
torturá-lo por longo tempo na prisão.
Finalmente, quando o homem foi levado diante de Úrbico, foi-lhe dirigida
a mesma pergunta, ou seja, se era cristão. Ptolomeu, novamente, consciente do
bem que lhe vinha do ensinamento de Cristo, confessou que era mestre da divina
virtude. Quem, de fato, nega qualquer verdade que seja, nega-a porque a despreza
ou porque recusa reconhece-la considerando-se indigno e distante dos deveres
que ela comporta; nenhuma dessas duas atitudes, porém, refere-se ao cristão
sincero.
Quando Úrbico ordenou que Ptolomeu fosse levado ao suplício, um certo
Lúcio, também cristão, vendo a insensatez de um processo conduzido dessa forma,
gritou a Úrbico: "Qual o motivo pelo qual condenaste à morte este homem,
não culpado de adultério, nem de fornicação, nem de assassinato, nem de furto,
nem de rapina, nem de qualquer outro delito, mas apenas de ter-se confessado
cristão? O teu modo de julgar, Úrbico, é indigno do imperador Antonino Pio,
indigno do filho de César, amigo da sabedoria, indigno, enfim, do santo
senado!". Sem pronunciar resposta, Úrbico disse a Lúcio: "Parece-me
que tu também és cristão". Visto que Lúcio concordou calorosamente, Úrbico
fê-lo levar ao suplício. O mártir declarou que era uma graça para ele, porque
sabia que deixava o mundo dos malvados pela morada do Pai celeste. Um terceiro
(homem) também veio para declarar-se cristão e foi igualmente condenado à
morte".
Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa