Desde que tomou seu primeiro empréstimo no exterior, em 1822, para bancar sua independência de Portugal, o Brasil foi visto como um devedor contumaz e, pior, péssimo pagador devido aos constantes calotes impostos a seus credores. Pois quinta-feira, o Banco Central informou que esse histórico desabonador foi enterrado de vez. O país encerrou janeiro com dinheiro suficiente em caixa para pagar toda a sua dívida externa, de US$ 197,7 bilhões, e ainda ficar com sobras de mais de US$ 4 bilhões, quando somadas as reservas internacionais (US$ 188,2 bilhões, até o dia 20 de fevereiro), os créditos que o Brasil tem a receber mais os depósitos de bancos brasileiros no exterior. Esse fato inédito, segundo o presidente do BC, Henrique Meirelles, ‘‘é resultado direto da implementação, nos últimos anos, de políticas macroeconômicas responsáveis e consistentes, baseadas no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas para a inflação’’.
A informação deixou o presidente Lula nas nuvens. ‘‘É mais um trunfo que temos para mostrar o quanto o nosso governo está no caminho correto’’, afirmou a assessores. Até ser eleito presidente da República em 2002, Lula foi um defensor ardoroso do calote da dívida externa. O PT chegou a propor um plebiscito para referendar tal posição. Mas depois de tomar posse, Lula não só manteve o pagamento dos débitos em dia, como foi o principal incentivador do Banco Central na compra de dólares no mercado para reforçar as reservas internacionais. ‘‘Felizmente, prevaleceu o bom senso’’, disse Cristiano Souza, economista do Banco Real ABN Amro.
A expectativa de Lula, agora, é de que as agências de classificação de risco (rating) ‘‘se rendam aos fatos’’ e promovam o Brasil à condição de grau de investimento (investment grade) ao longo deste ano. Esse selo de qualidade não só atrairá mais investimentos estrangeiros, fundamentais para sustentar o processo de crescimento do país, como colocará o Brasil, na expectativa de Lula, em uma situação privilegiada neste momento de crise internacional, onde impera a desconfiança. ‘‘Seremos vistos como um porto seguro para o capital’’, ressaltou o presidente. Mas, para Rafael Guedes, diretor-executivo da Fitch Ratings, uma das três maiores classificadoras de risco do mundo, as chances de o Brasil ser elevado ao grau de investimento nos próximos dois anos são menores do que 50%.
Resistência maior
Na avaliação de Meirelles, o importante é que, ao seguir políticas econômicas consistentes, que permitiram ‘‘o acúmulo de reservas cambiais sem precedentes’’, o país aumentou sua resistência a choques. ‘‘A melhora expressiva nos vários indicadores de sustentabilidade externa do Brasil é um marco expressivo de nossa história. Essa melhora significa que estamos superando gradativamente um longo período caracterizado por vulnerabilidade e crises, causadas, principalmente, pela dificuldade em honrar o passivo externo do país’’, frisou.
Pelos cálculos do BC, a consistência econômica permitiu que, desde 2003, o Brasil registrasse fluxos positivos e crescentes em todas as contas por onde transitam recursos externos. Com isso, o banco pode ampliar as reservas internacionais do país de apenas US$ 16,3 bilhões no primeiro ano de mandato do presidente Lula para US$ 180,3 bilhões em dezembro passado e US$ 188,2 bilhões até anteontem. A maior parte desses recursos veio dos expressivos saldos da balança comercial, que, nos últimos cinco anos, somaram US$ 150,6 bilhões. O BC ressaltou ainda que também os investimentos estrangeiros diretos (IED), voltados para o aumento da produção e a criação de empregos, que atingiram US$ 34,6 bilhões em 2007 — recorde histórico —, a abertura de capital de empresas e as aplicações em bolsa de US$ 24,6 bilhões ajudaram a engrossar o fluxo de capital.
Com tantos recursos disponíveis, o Brasil antecipou em 2005 o pagamento de US$ 20,7 bilhões em empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI), pondo fim a uma tumultuada relação. Retirou do mercado todos os títulos vinculados a renegociações de calotes, como os C-Bonds, e pagou, também antecipadamente, as dívidas com o Clube de Paris. ‘‘Foi uma virada significativa na história do país’’, afirmou o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC, que integrou durante anos os grupos de renegociação da dívida brasileira. A seu ver, as críticas de vários economistas, de que o acúmulo de reservas pelo BC já passou do ponto, impondo pesados custos fiscais ao Tesouro Nacional, ficam diminuídas quando se olha o comportamento da economia brasileira em meio à grave crise internacional provocada pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos.
No Rio, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a atual situação veio para ficar e permite ao país ‘‘impor respeito’’ em meio à crise de crédito externo, e esse respeito virá por meio da elevação do Brasil ao grau de investimento. Ele destacou que o cenário atual ‘‘habilita o país a ter um papel de protagonista no cenário internacional’’.
Vicente Nunes
Da equipe do Correio
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