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7 de novembro de 2017

Mártires no império ( XI )




3.12. Os Quarenta Mártires de Sebástia (Armênia menor) Temos, sobre estes mártires, alguns discursos dos capadócios Basílio e Gregório de Nissa e outros do sírio Efrém, todos de particular autoridade pela proximidade entre as regiões dos informantes e aquela onde aconteceu o martírio.

 A "Paixão" tem uma autoridade muito pequena, mas o "testamento" coletivo que redigiram, pouco antes de morrer, deve ser considerado autêntico. O martírio deu-se em 320, durante a perseguição de Licínio.

"Estavam alistados numa legião de guarda de fronteira: parece certo que fosse a XII legião, a Fulminada, que participara da conquista de Jerusalém no ano 70, e, em seguida, fora deslocada para o Oriente, com sede em Melitene, na Armênia Menor.

Existia uma espécie de tradição cristã no interior dessa Legião, porque ela tinha contado com cristãos em suas fileiras já no século III, e talvez antes; outras ligações com cristãos, através de amizades e parentela, deviam ter surgido durante a permanência na Armênia, onde eram muitos os cristãos.

O martírio aconteceu ao norte de Melitene, na cidade chamada Sebástia (mais exato do que Sebaste), onde talvez a legião mantivesse um grande destacamento. Os quarenta eram muito jovens, mais ou menos pelos vinte anos; em seu "testamento", no qual enviam uma última saudação aos seus caros, só um saúda a mulher com o filhinho e apenas um, a noiva, enquanto os demais saúdam os pais vivos: deveriam estar ainda, em geral, na primeira juventude.

Quando chegou ao acampamento a ordem de Licínio para que os soldados participassem dos sacrifícios idólatras, eles recusaram-se decididamente; foram presos uns aos outros por uma só corrente, muito longa, e, em seguida, fechados na prisão. A prisão prolongou-se por muito tempo, provavelmente porque se esperavam ordens de comandantes superiores ou ainda - dada a gravidade do caso - do próprio Licínio.

Os prisioneiros, à espera, prevendo o próprio fim, escreveram o seu "testamento" coletivo pela mão de um deles, um certo Melézio. Os destinados à morte exortam, no documento insigne, profundamente cristão, parentes e amigos a se despreocuparem dos bens caducos da terra para preferirem os bens ultra terrenos; cumprimentam em seguida as pessoas que lhes eram mais caras; enfim, prevendo que surgiram disputas entre os cristãos pela posse de seus corpos - como já acontecera no passado com as relíquias dos mártires - eles dispõem que seus restos sejam sepultados todos juntos na vila de Sarein, perto da cidade de Zela.

O documento traz, como de costume, os nomes de todos os quarenta testadores, e de aqui os nomes foram recopiados em outros documentos, com pequenas divergências de grafia.

Chegada a sentença de condenação, os quarenta foram destinados à morte por assideração: deviam ser expostos nus durante a noite, no auge do inverno, sobre um reservatório gelado de água, e aí esperar o próprio fim.

O lugar escolhido para a execução parece ter sido um amplo pátio diante das termas de Sebástia, onde os condenados seriam subtraídos à curiosidade e simpatia do público e, ao mesmo tempo, vigiados pelos funcionários das termas.

Existia no pátio, um amplo reservatório d'água, uma espécie de charco, que estava em comunicação com as termas. Basílio disse que o lugar estava no centro da cidade, e que a cidade era próxima ao reservatório: talvez a reserva d'água a serviço das termas, não fosse senão uma derivação de um verdadeiro lago externo.

Na camada gelada, numa temperatura baixíssima, os tormentos dos corpos nus deviam ser assustadores. Para aumentar os espasmos, fora deixada aberta a bela porta de ingresso às termas, por onde saiam, com a luz, os jatos de vapor do calidarium: tratava-se de uma poderosa visão para os que estavam sofrendo, porque bastariam poucos passos para sair dos tormentos e retomar aquela vida que saia aos poucos de seus corpos, minuto a minuto.

Havia, porém, no meio, uma barreira insuperável: o Cristo invisível, que eles teriam que renegar. As horas passavam terrivelmente monótonas: nenhum dos condenados afastava-se da extensão gelada; o vigia das termas assistia à cena como que sonhando acordado.

Num dado momento, um dos condenados, extremado pelos espasmos arrastou-se na direção da porta iluminada: aí, porém, por um normal fato fisiológico, morreu envolvido pelos vapores quentes. Àquela visão, o vigia, num ímpeto de entusiasmo, decidiu substituir o pusilânime, reintegrando o número dos quarenta: livrando-se das roupas, proclamou-se cristão e estendeu-se sobre o gelo entre os outros condenados.

A manhã do dia seguinte iluminou uma extensão de cadáveres. Um só continuava vivo: era o mais jovem, um adolescente a quem algum documento dá o nome de Melitão. A tenacidade por viver assombrou sua mãe, cristã de fé admirável que esteve presente quando os cadáveres foram carregados sobre o carro para serem levados à cremação: ao ver seu filho deixado de lado porque ainda estava vivo, ela tomou-o entre os braços e levou-o por si mesma ao carro, para que a sua criatura não fosse defraudada do coro comum. Aqueles braços que alguns anos antes o tinham carregado como criança lactante, carregavam-no como agora atleta triunfante. Naquele amplexo materno, o adolescente expirou.

O vigia convertido é chamado Agláios em alguns documentos. Comparações feitas, confrontando os vários testemunhos levaram a suspeitar que o pusilânime que abandonou o combate e morreu às portas das termas, fosse justamente Melézio, o escritor do "testamento"; mas isso é apenas conjectura. A narração deixa lugar a dúvidas quanto a alguns particulares, mas em seu conjunto pode ser aceita com segurança.


A veneração dos Quarenta Mártires foi muito popular no oriente. Também no ocidente, no final do mesmo século, fala deles Gaudêncio de Bréscia, que era particularmente informado das coisas do oriente. Além disso, em Roma, cenas do martírio deles ainda são conservadas num afresco do século VII-VIII.


Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa 



6 de novembro de 2017

Mártires no império ( X )





3.11. Martírio de Êuplio Diácono, sob Diocleciano, no ano 304 O martírio de Êuplio, diácono de Catânia, aconteceu em 304, como pode ser deduzido da indicação do consulado de Diocleciano e Maximiano, e do fato que o cristão é convidado a sacrificar aos deuses, conforme a ordem do IV edito imperial, emanado naquele ano. Certamente ainda estava em vigor o edito contra a conservação dos livros sagrados, porque o ponto principal da acusação contra Êuplio refere-se ao evangelho, que o diácono tinha conservado e mostrava com orgulho. Os Atos que nos chegaram, num breve texto latino, une a ata da prisão e da primeira confissão de Êuplio à do interrogatório pelo qual passou em meio às torturas.

Uma frase do capítulo I: "...estando fora da tenda do escritório do governador, o diácono Êuplio gritou: "Sou cristão e desejo morrer pelo nome de Cristo", leva a crer que ele não tivesse sido preso, mas que se tivesse denunciado espontaneamente, talvez durante o interrogatório de outros fiéis; a hipótese é confirmada também pelas palavras do juiz que o entrega aos esbirros: "Como é evidente a tua confissão..." (c. I) e parece levado a proceder pela atitude do cristão, mais do que por uma vontade pessoal inquiridora.

"Durante o nono consulado de Diocleciano e o oitavo de Maximiano, na vigília dos idos de agosto, na cidade de Catânia, estando fora da tenda do escritório do governador, o diácono Êuplio gritou: "Sou cristão e desejo morrer pelo nome de Cristo".

Ouvindo isso, o procurador Calvisiano disse: "Que entre a pessoa que gritou". Tão logo Êuplio entrou no escritório do juiz, tendo os evangelhos nas mãos, um dos amigos de Calvisiano, que se chamava Máximo, disse: "Não é lícito ter estes livros, contra a ordem imperial".

Calvisiano perguntou a Êuplio: "De onde vêm estes livros? Saíram da tua casa?". Êuplio respondeu: "Não tenho casa. Sabe-o também o meu Senhor, Jesus Cristo". O procurador Calvisiano retomou: "Foste tu quem os trouxestes aqui?". Êuplio respondeu: "Eu os trouxe, como tu mesmo vês. Fui encontrado com eles".

Calvisiano ordenou: "Lê-os". Abrindo o evangelho, Êuplio leu: "Bem-aventurados os que sofrem perseguições por causa da justiça, pois deles é o reino dos céus", e, numa outra passagem: "Quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me". Enquanto lia esses e outros passos, Calvisiano perguntou: "O que é isso tudo?". Êuplio respondeu: "É a lei do meu Senhor, que me foi confiada".

Calvisiano insistiu: "Por quem?". Êuplio respondeu: "Por Jesus Cristo, Filho do Deus vivo". Calvisiano interveio novamente dizendo: "Como é evidente a tua confissão, sejas entregue ao ministro da tortura e interrogado em meio a suplícios". Quando foi-lhes entregue, começou o segundo interrogatório, em meio às torturas.

Durante o nono consulado de Diocleciano e o oitavo de Maximiano, na vigília dos idos de agosto, o procurador Calvisiano disse a Êuplio, em meio aos tormentos: "O que repetes agora daquilo que declaraste na tua confissão?". Traçando o sinal da cruz sobre si com a mão livre, o mártir respondeu: "Aquilo que disse antes, confirmo-o agora: sou cristão e leio as divinas Escrituras".

Calvisiano rebateu: "Por que não entregaste estes livros, cuja leitura os imperadores vetaram, mas os mantiveste contigo?". Êuplio disse: "Porque sou cristão e não me era lícito entregá-los. É melhor, para um cristão, morrer do que entregá-los; neles está a vida eterna. Quem os entrega perde a vida eterna e, para não perde-la, eu ofereço a minha".

Calvisiano interveio dizendo: "Seja torturado Êuplio que, infringindo o edito dos príncipes, não entregou as Escrituras, mas leu-as ao povo". Êuplio disse, em meio aos tormentos: "Agradeço-te, ó Cristo. Protege-me porque sofro tudo isso por ti!".

Calvisiano exortou-o com estas palavras: "Desiste dessa loucura, Êuplio. Adora os deuses e serás libertado". Êuplio respondeu: "Adoro a Cristo, detesto os demônios. Faz de mim o que quiseres, sou cristão. Desejei isto por muito tempo. Faz o que quiseres. Aumenta os meus tormentos. Sou cristão".

A tortura já durava muito tempo quando Calvisiano ordenou aos carnífices que parassem e disse ao mártir: "Adora os deuses, infeliz! Venera Marte, Apolo e Esculápio!". Êuplio respondeu: "Adoro o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Adoro a Santíssima Trindade, fora da qual não existe outro Deus. Pereçam os deuses que não criaram o céu, a terra e tudo o que neles existe. Eu sou cristão".

O prefeito Calvisiano insistiu: "Sacrifica, se queres ser libertado!". Êuplio respondeu: "Justamente agora sacrifico-me a Cristo Deus. Não existe nenhum outro sacrifício que eu deva fazer. Tentas em vão fazer-me renegar a fé. Eu sou cristão".

Calvisiano ordenou que fosse torturado mais violentamente ainda; durante os tormentos, Êuplio disse: "Rendo-te graças, ó Cristo, socorre-me; Cristo, sofro isto por ti, Cristo!". Repetiu muitas vezes estas invocações e, quando faltaram-lhe as forças, já sem voz, dizia apenas com os lábios estas e outras orações.

Entrando no interior do seu escritório, Calvisiano ditou a sentença e, saindo, leu a ata que levara consigo: "Ordeno que Êuplio, cristão, que despreza os editos dos príncipes, blasfema contra os deuses e não se arrepende disso tudo, seja passado a fio de espada. Levai-o ao suplício".

O evangelho com que fora encontrado no momento da prisão foi pendurado ao pescoço do mártir, e o pregoeiro ia dizendo: "Êuplio, cristão, inimigo dos deuses e dos soberanos".


Alegre, Êuplio respondia sempre: "Graças a Cristo Deus!". Chegando ao lugar da execução, ajoelhou-se e orou longamente. Dando ainda graças ao Senhor, apresentou o pescoço e foi decapitado pelo carnífice. “O seu corpo foi depois recolhido pelos cristãos e embalsamado com perfumes, e sepultado". 



Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa



3 de novembro de 2017

Mátires no império (IX)




3.10. Marino, centurião sob Galieno Pode parecer estranho falar de um mártir sob o imperador Galieno (260-268), que não perseguiu os cristãos, e, pelo contrário, facilitou-lhes a vida, revogando os editos e restituindo os bens confiscados, como diz Eusébio num outro ponto do mesmo livro VII da História Eclesiástica.

Marino, de fato, não foi vítima de uma perseguição organizada, mas da rivalidade de um competidor na carreira militar. Nobre, rico, tendo chegado a um alto grau da hierarquia, Marino talvez tenha tido um momento de hesitação diante da intimação do juiz, tanto que usou o tempo que lhe fora concedido para refletir, diversamente de muitos outros que, em situações semelhantes, tinham tomado logo a resolução de enfrentar o martírio, mas, oportunamente acompanhado pelas palavras do seu bispo, não teve mais incertezas.

O fato é muito importante, porque permite compreender que, mesmo quando não havia uma perseguição oficial, ficavam sempre latentes as razões de dissídio entre a estrutura político-moral-religiosa do império romano e os princípios do cristianismo.

Durante o tempo em que a paz reinava em todos os lugares nas igrejas cristãs, foi decapitado na Cesareia da Palestina por ter confessado sua fé, Marino, que pertencia aos altos graus da hierarquia militar e era ilustre pela nobreza e riqueza.

A causa da condenação foi a seguinte: existe entre os romanos um distintivo formado por um ramo de videira, e o merecedor dele torna-se centurião. Como havia um lugar vago, a promoção cabia de direito a Marino, mas, quando já estava para conseguir tal honra, apresentou-se um outro ao tribunal, dizendo que, segundo as antigas leis, não lhe era lícito receber qualquer honorificência dos romanos, porque era cristão e não sacrificava aos deuses; o indivíduo sustentou, então que o lugar cabia a ele e não a Marino.

Impressionado pelo fato, o juiz, que se chamava Arqueo, perguntou primeiramente a Marino qual a religião que seguia e, quando ouviu-o confessar-se firmemente cristão, concedeu-lhe três horas de tempo para refletir. Quando Marino saiu do tribunal, Teotécno, bispo de Cesareia, chamou-o para uma conversa, tomou-o pelas mãos e levou-o à igreja.

Tão logo chegaram ao lugar sagrado, o bispo acompanhou Marino até diante do altar, levantou um pouco o seu manto e, indicando-lhe a espada que aí estava presa, colocou ao lado dela o livro do Evangelho, impondo-lhe a escolha entre as duas coisas segundo a sua consciência. Sem sombra de incerteza, Marino estendeu a mão direita e segurou a divina Escritura.

"Permanece sempre junto do Senhor - disse-lhe Teotécno - e obterás o que escolheste. Fortificado pela sua graça, vai em paz". Enquanto Marino saía da igreja, o pregoeiro chamava-o em voz alta diante do tribunal, porque havia terminado o tempo concedido para a decisão. Diante do juiz, Marino mostrou grande fervor em confessar a própria fé e, levado ao suplício do modo que estava, consumou o martírio.

Recordam-se também na mesma circunstância a franqueza e o fervor religioso de  Astírio, que pertencia à ordem senatorial, estava em relações de amizade cordial com os soberanos e era conhecido de todos pela nobreza e pelos bens.


Estando presente ao martírio de Marino, tão logo este foi consumado, levantou o cadáver, carregou-o nos ombros, sobre a veste cândida e preciosa, e levou-o para que tivesse uma sepultura honrosa, digna da sua condição. (Eusébio, História Eclesiástica, l. VII, c. 15 e ss.) 


Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa





1 de novembro de 2017

Mártires no império (VIII)




3.9. Os mártires de Alexandria durante a perseguição de Décio (249-251) De uma carta de São Dionísio a Fábio, bispo de Antioquia, trazida por Eusébio de Cesaréia na História Eclesiástica, l. VI, c. 40,1-42,6. "A perseguição, entre nós, não teve início com o edito imperial, mas foi retardada de um ano, até quando chegou a esta cidade um adivinhador e tecelão de erros, quem quer que fosse, provocando e excitando contra nós a multidão dos gentios, atiçando outra vez a sua superstição congenial. Excitados por ele e levados a tirar da licenciosidade desenfreada todo gênero de impiedade, consideravam assassinar-nos como o único ato de devoção e culto que lhes era devido.

A primeira vítima foi um velho chamado Metras, que capturaram e tentaram obrigar a blasfemar; como ele não se rendesse a suas imposições, bateram nele e atravessaram seu rosto e olhos com bambus aguçados, levando-o depois à periferia da cidade onde delapidaram-no.

Uma mulher chamada Quinta foi levada até diante do altar dos ídolos, onde os pagãos tentaram obrigá-la a um ato de adoração: tão logo ela retesou o corpo com profunda sensação de desgosto, foi amarrada e arrastada pelos pés através da cidade, fazendo com que batesse contra as grandes pedras do duro calçamento. Levando-a ao mesmo lugar suburbano, delapidaram-na.

Depois disso os pagãos lançaram-se juntos sobre as casas dos cristãos e, irrompendo nas residências que cada um sabia pertencer aos próprios vizinhos, cumpriram toda sorte de roubos e saques. Separavam cuidadosamente os objetos mais preciosos, e jogavam das janelas e queimavam pelas ruas os mais rudes e os que eram feitos de madeira.

O espetáculo apresentado parecia o de uma cidade tomada pelos inimigos. Os irmãos procuravam fugir e esconder-se, e acolheram com alegria também o saque de seus bens, semelhantes àqueles dos quais deram testemunho o apóstolo Paulo (Hb 10,34). Não sei se houve naquela circunstância, alguém que renegasse a Cristo, a menos que se tratasse de uma pessoa caída nas garras dos adversários.

Outra nobilíssima vítima foi a anciã Apolônia: os pagãos prenderam-na, fizeram arrancar todos os seus dentes, com murros dados nas faces e, depois, acesa uma fogueira diante da cidade, ameaçaram queimá-la viva caso não pronunciasse com eles as palavras ímpias, que eram a mensagem da blasfêmia pagã. A mulher, porém, depois de ter pedido vivamente que lhe deixassem à disposição um breve tempo, tão logo viu-se livre saltou sobre o fogo e foi queimada.

Serapião foi preso em casa: submeteram-no a duros tormentos, quebraram-lhe os ossos e finalmente lançaram-no de cabeça do andar superior. Não se podia percorrer nenhuma rua, larga ou estreita, de noite ou de dia, sem ouvir sempre e em todos os lugares as gritarias da multidão e, se alguém não entoava em coro com eles as palavras ímpias, era arrastado e queimado vivo.

A perseguição continuou por muito tempo nesse tom de violência, até quando a sedição e a guerra civil, que sucederam às desventuras anteriores, não levaram os pagãos a voltar-se reciprocamente a crueldade que antes tinham dirigido sobre nós.

Vivemos tranqüilos por algum tempo, durante a trégua que os pagãos tinham feito ao ódio contra nós, mas bem logo foi-nos anunciada a notícia da mudança do poder imperial, antes muito benévolo, e reacendeu-se com a máxima intensidade o terror de uma nova ameaça contra a nossa comunidade.

Foi promulgado o edito, talvez o mais terrível de todos os que nosso Senhor tinha predito, a ponto de escandalizar, se for possível, também os eleitos. É certo que todos ficaram arrasados. Entre as pessoas mais conhecidas na cidade alguns, por medo, aderiram às ordens do edito, outros, que cobriam encargos públicos, foram levados a obedecer ao edito da sua própria posição, outros ainda foram arrancados à vida familiar.

Chamados pelos nomes, alguns apresentavam-se pálidos e trementes diante dos sacrifícios ímpios e sacrílegos, como se não fossem sacrificar, mas fossem eles próprios as vítimas destinadas aos ídolos; entretanto a multidão girava ao redor dos altares pagãos fazendo burla sobre eles, porque mostravam claramente estar com medo, tanto da morte como do sacrifício.

Outros, porém, corriam intrépidos aos altares, declarando com desfaçatez que não eram cristãos e nem sequer o tinham sido no passado. Será verdade para eles a predição do senhor, que dificilmente se salvarão.

Dos restantes, houve quem agregou-se ao primeiro grupo, quem ao segundo, enquanto outros fugiram. Entre os que foram presos, uma parte resistiu ao cárcere e às correntes em que foram mantidos por muitos dias, mas depois abjuraram, antes de se apresentarem ao tribunal; outra parte suportou os tormentos também por um certo tempo, mas acabaram abjurando também eles.

Outros cristãos, entretanto, colunas sólidas e prósperas do Senhor, corroborados pela sua graça, tiraram a constância e a energia da fé que os inspirava tornando-se, assim, testemunhas admiráveis do seu reino.



Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa


30 de outubro de 2017

Mátires no império (VII)



Esperado, Narsalo, Citino, Vetúrio, Félix, Aquilino, Letâncio, Genara, Generosa, Véstia, Donata e Segunda". 

3.8. Martírio dos Santos Silitanos (na Numídia, - África setentrional) O processo contra os cristãos de Sílio aconteceu no verão de 180 d.C., quando Cômodo era imperador há poucos meses, e pode ser considerado como continuação das perseguições iniciadas sob o predecessor Marco Aurélio. A fé cristã já estava difundida provavelmente na África proconsular, tendo chegado também aos pequenos centros: Sílio era, justamente, um vilarejo da Numídia. O texto latino do qual se apresenta a tradução é contemporâneo aos fatos; talvez seja a própria ata do processo, à qual foi acrescentada pelo transcritor apenas a última parte.

É o primeiro documento sobre o tributo de sangue que os cristãos da África versaram. "Dezesseis dias antes das calendas de agosto (17 de julho), quando eram Procônsules Presente, pela segunda vez, e Claudiano, foram convocados à autoridade judiciária Esperado, Narsalo, Citino, Donata, Segunda e Véstia. O procônsul Saturnino disse-lhes: "Podeis merecer a indulgência do nosso soberano, se retornardes a pensamentos de retidão". Respondeu Esperado: "Nada fizemos de mal, nem cometemos qualquer iniquidade, nem falamos mal de alguém, pelo contrário sempre retribuímos o mal com o bem; por isso obedecemos ao nosso imperador".

Disse ainda o procônsul Saturnino: "Nós também somos religiosos, e a nossa religião é simples. Juramos pelo gênio do nosso soberano e fazemos súplicas aos deuses pela sua salvação, coisa que vós também deveis fazer".

Respondeu Esperado: "Se me escutares com calma, eu te explicarei o mistério da simplicidade". Saturnino rebateu: "Não te escutarei nesta iniciação em que ofendes os nossos ritos; jurai, entretanto, pelo gênio do nosso soberano".

Respondeu Esperado: "Eu não conheço o poder do século, mas estou sujeito àquele Deus que nenhum homem viu nem pode ver com seus olhos. Jamais cometi um furto, mas toda vez que concluo um negócio pago sempre o tributo, porque obedeço ao meu soberano e imperador dos reis de todos os séculos".

O procônsul Saturnino disse aos outros: "Desisti dessa convicção". Esperado rebateu: "Trata-se de um mau sistema o fato de ameaçar de morte se não se jura em falso".

Disse ainda o procônsul Saturnino: "Não consintais nessa loucura". Disse Citino: "Não temos nada a temer de ninguém a não ser de nosso Senhor que está nos céus". Acrescentou Donata: "Honra a César, como soberano, mas temor somente a Deus". Véstia continuou: "Sou cristã". Disse Segunda: "Aquilo que sou, quero ser".

O procônsul Saturnino perguntou a Esperado: "Persistes em declarar-te cristão?" Esperado respondeu: "Sou cristão" e todos concordaram com suas palavras. O procônsul Saturnino perguntou, então: "Quereis um pouco de tempo para decidir?" Respondeu Esperado: "Numa questão tão claramente justa, a decisão já está tomada".

Perguntou então o procônsul Saturnino: "O que há em vossa caixinha?" Esperado respondeu: "Livros e as cartas de São Paulo, homem justo". Disse o procônsul: "Tendes uma prorrogação de trinta dias para refletir. Esperado respondeu: "Sou cristão", e todos estiveram de acordo com ele.

O procônsul Saturnino leu o decreto do ato: "Decreta-se que sejam decapitados Esperado, Narsalo, Citino, Donata, Véstia, Segunda e todo os outros que declararam viver segundo a religião cristã, porque, embora tenha sido dada a eles a faculdade de retornar às tradições romanas, recusaram-na obstinadamente". Esperado disse: "Damos graças a Deus". Narsalo acrescentou: "Hoje seremos mártires no céu. Sejam dadas graças ao Senhor!".


O procônsul Saturnino mandou proclamar a sentença pelo pregoeiro: "Foram condenados à pena capital: Esperado, Narsalo, Citino, Vetúrio, Félix, Aquilino, Letâncio, Genara, Generosa, Véstia, Donata, Segunda". Todos disseram: "Sejam dadas graças a Deus!", e foram em seguida degolados pelo nome de Cristo". 


Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa



27 de outubro de 2017

Mártires no império ( VI )



Máximo

3.7. Martírio de Máximo, sob o império de Décio (249-251) Máximo era um cristão da Ásia Menor, que nos é conhecido pelo documento do seu martírio. Ele denunciara-se voluntariamente como cristão, com uma atitude que a Igreja não aprovava totalmente, mas foi corajoso e superou a prova.

"O imperador Décio, querendo expulsar e abater a lei dos cristãos, emanou alguns editos para o orbe todo, nos quais intimava que todos os cristãos abandonassem o Deus vivo e verdadeiro e sacrificassem aos demônios; quem não quisesse obedecer, devia submeter-se aos suplícios. Naquele tempo, Máximo, homem santo e fiel ao Senhor, declarou-se espontaneamente cristão: ele era um plebeu e exercia o comércio.

Preso, foi levado diante do procônsul Ótimo, na Ásia. O procônsul perguntou-lhe: "Como te chamas?" Ele respondeu: "Chamo-me Máximo". Perguntou o procônsul: "Qual é a tua condição?" Máximo respondeu: "Nascido livre, mas servo de Cristo". Perguntou ainda o procônsul: "Quais as atividades que exerces?" Respondeu Máximo: "Sou plebeu e vivo do meu comércio". Disse o procônsul: "És cristão?" Respondeu Máximo: " Embora pecador, sou cristão". Disse o procônsul: "Não conheces os decretos dos invencíveis soberanos que foram promulgados recentemente?" Respondeu Máximo: "Quais decretos?" Explicou o procônsul: "Os que ordenam que todos os cristãos, abandonando sua vã superstição, reconheçam o verdadeiro soberano ao qual tudo é submetido, e adorem os seus deuses". Respondeu Máximo: "Cheguei ao conhecimento do iníquo edito emanado pelo soberano deste mundo e, justamente por isso, declarei-me publicamente cristão".

O procônsul intimou: "Sacrifica, então, aos deuses!" Máximo replicou: "Eu não sacrifico a não ser ao único Deus, e glorio-me de ter sacrificado a ele desde a infância". O procônsul insistiu: "Sacrifica, para que sejas salvo. Se te recusares, eu te farei morrer em meio a torturas de todos os gêneros".

Máximo respondeu: "É justamente o que sempre desejei: é por isso, de fato, que me declarei cristão, para obter finalmente a vida eterna, logo que for libertado desta mísera existência temporal".

O procônsul, então, fê-lo bater com varas e, enquanto era vergastado, dizia-lhe: "Sacrifica, Máximo, para libertar-te destes tormentos horrorosos". Máximo respondeu: "Não são tormentos, mas unções que me são infligidas por amor de nosso senhor Jesus Cristo. Se afastar-me dos preceitos do meu Senhor, nos quais fui instruído por meio do seu evangelho, então sim, estarão esperando-me os verdadeiros e perpétuos tormentos da eternidade".

O procônsul fê-lo colocar, então, no cavalete e, enquanto era torturado, dizia-lhe insistentemente: "Arrepende-te da tua loucura, miserável, e sacrifica, para salvar a tua vida!" Máximo respondeu: "Só se não sacrificar, salvarei a minha vida; mas se sacrificar, seguramente a perderei. Nem as varas, nem os ganchos, nem o fogo me produzirão dor, porque vive em mim a graça de Deus, que me salvará eternamente com as orações de todos os santos que, lutando neste gênero de combate, superaram a vossa loucura e nos deixaram nobres exemplos de valor".

Depois destas palavras, o procônsul pronunciou a sentença contra ele, dizendo: "A divina clemência ordenou que, para incutir terror nos demais cristãos, seja lapidado o homem que não quiser dar o próprio assentimento às sagradas leis, que lhe impõem sacrificar à grande deusa Diana".

O atleta de Cristo foi arrastado para fora, então, pelos ministros do diabo, enquanto dava graça a Deus Pai por Jesus Cristo seu Filho, que o tinha julgado digno de superar o demônio na luta.


Levado para fora das muralhas, esmagado pelas pedras, exalou o espírito. O servo de Deus Máximo padeceu o martírio na província da Ásia dois dias antes dos idos de maio, durante o império de Décio e o governo do procônsul Ótimo, reinando nosso Senhor Jesus Cristo, ao qual é dada glória nos séculos dos séculos. Amém".


Organizado e publicado por:
Domingos Teixeira Costa 



25 de outubro de 2017

Mátires no império ( V )


Ptolomeu e Lúcio  

*3.6. Martírio dos santos Ptolomeu, Lúcio e outro desconhecido O trecho seguinte é tirado da segunda Apologia de Justino, que lhe foi inspirada pelo processo contra três cristãos, realizado em Roma em 162 ou 163 sob o prefeito Úrbico. Pouco posterior ao episódio, a narração é densa, sem divagações ou ornamentos retóricos, fazendo brotar, porém, da trama pobre, a calorosa defesa do cristianismo. Porque condenar pessoas cuja fé traduz-se numa regra de vida austera e na recusa de qualquer culpa contra a natureza? É este o sentido das palavras do mártir Lúcio, e é este o espírito de Justino, que poucos anos depois teria, também ele, confirmado a fé com o sangue.

"Vivia uma mulher, esposa de um homem dissoluto, também ela anteriormente dissoluta. Entretanto, quando veio ao conhecimento dos ensinamentos de Cristo, não só começou a levar uma vida mais pura, como tentou convencer igualmente o marido a converter-se, falando-lhe da nova doutrina e anunciando-lhe o castigo do fogo eterno para todos os que levam uma vida impura e sem princípios retos.

O marido, porém, persistindo nos maus procedimentos, fez com que o espírito da mulher se afastasse pela sua má conduta, de modo que ela, considerando imoral viver o resto de seus dias ao lado de um homem que buscava o prazer das relações conjugais contra as leis da natureza e contra a justiça, decidiu separar-se dele. Foi dissuadida pelos parentes, que lhe aconselhavam ter ainda paciência, na esperança de que o marido mudasse de vida: ela, pois, conseguiu forças e permaneceu ao seu lado. Foi-lhe referido, em seguida, que o marido, tendo ido a Alexandria, cometia culpas ainda mais graves do que no passado; a mulher não querendo tornar-se cúmplice de sua maldade e impiedade permanecendo junto dele como esposa, dividindo com ele o leito e as refeições, deu-lhe aquilo que chamais de "libelo de repúdio", e divorciou-se.

O cavalheiro do marido, em lugar de alegrar-se pelo fato de a mulher - que antes se entregava aos servos e mercenários nas orgias da bebedeira, ter abandonado aqueles hábitos culpáveis e querer levá-lo também a fazer o mesmo -, despeitado com o divórcio obtido sem o seu consentimento, denunciou-a diante do tribunal como cristã.

 A mulher, senhor, apresento-te, então, um memorial em que pedia, antes de tudo, que lhe fosse concedida a administração dos próprios bens e, em seguida, a defesa da acusação, depois de ter sabiamente organizado suas coisas, e tu lhe concedeste. O marido, não podendo agir contra a mulher, voltou a acusação contra um certo Ptolomeu, mestre dela na doutrina cristã. Foi essa a sua tática: persuadir um centurião seu amigo, que colocara Ptolomeu na prisão, a pegá-lo de surpresa e fazer-lhe esta simples pergunta: "És cristão?". Ptolomeu admitiu sê-lo, sincero e sem qualquer subterfúgio que era, levando o centurião a mandar acorrentá-lo e torturá-lo por longo tempo na prisão.

Finalmente, quando o homem foi levado diante de Úrbico, foi-lhe dirigida a mesma pergunta, ou seja, se era cristão. Ptolomeu, novamente, consciente do bem que lhe vinha do ensinamento de Cristo, confessou que era mestre da divina virtude. Quem, de fato, nega qualquer verdade que seja, nega-a porque a despreza ou porque recusa reconhece-la considerando-se indigno e distante dos deveres que ela comporta; nenhuma dessas duas atitudes, porém, refere-se ao cristão sincero.


Quando Úrbico ordenou que Ptolomeu fosse levado ao suplício, um certo Lúcio, também cristão, vendo a insensatez de um processo conduzido dessa forma, gritou a Úrbico: "Qual o motivo pelo qual condenaste à morte este homem, não culpado de adultério, nem de fornicação, nem de assassinato, nem de furto, nem de rapina, nem de qualquer outro delito, mas apenas de ter-se confessado cristão? O teu modo de julgar, Úrbico, é indigno do imperador Antonino Pio, indigno do filho de César, amigo da sabedoria, indigno, enfim, do santo senado!". Sem pronunciar resposta, Úrbico disse a Lúcio: "Parece-me que tu também és cristão". Visto que Lúcio concordou calorosamente, Úrbico fê-lo levar ao suplício. O mártir declarou que era uma graça para ele, porque sabia que deixava o mundo dos malvados pela morada do Pai celeste. Um terceiro (homem) também veio para declarar-se cristão e foi igualmente condenado à morte".


Organizado e publicado por:
  Domingos Teixeira Costa 


23 de outubro de 2017

Mátires no império ( IV )


Sinforosa e seus filhos

3.5. Martírio di santa Sinforosa e dei suoi sette figli. A construção da vila Adriana em Tívoli fora concluída em 135 dC, e deve-se remontar a essa época o martírio de Sinforosa, sacrificada como vítima propiciatória nos "habituais nefandos ritos pagãos" de consagração da vila imperial. O trecho que fala do seu martírio mostra o imperador Adriano, indisposto em relação ao cristianismo (passaram-se os tempos das pacatas instruções ao procônsul Minucio Fundanos) e propenso a crer nas calúnias dos sacerdotes pagãos.

O próprio imperador, e não um seu funcionário, chama aquela mulher, e procura induzi-la a renegar a fé, fazendo o mesmo com seus filhos. "O imperador Adriano fizera construir um palácio para si e queria consagrá-lo com os habituais nefandos ritos pagãos. Começou a pedir, com sacrifícios, aos ídolos e demônios, que neles habitam, a resposta dos oráculos, e esta foi a resposta: "A viúva Sinforosa, com seus sete filhos, aflige-nos todos os dias invocando o seu Deus. Se ela com seus sete filhos sacrificarem segundo o nosso rito, nós vos prometemos conceder tudo o que pedis".

 Adriano, então, mandou prende-la com os filhos, e de maneira insinuante, exortou-os a sacrificar aos deuses. Sinforosa, porém, disse-lhe: "Meu esposo Getúlio e seu irmão Amâncio, quando combatiam no teu exército como tribunos, enfrentaram muitos gêneros de tortura por não aceitarem sacrificar aos ídolos, e como atletas valorosos, venceram os demônios com a própria morte.

Preferiram, de fato, ser decapitados a deixar-se vencer, sofrendo a morte em nome de Cristo, trouxe-lhes ignomínia no mundo dos homens ligados aos interesses terrenos, mas deu-lhes honra e glória eterna na assembleia dos anjos. Vivem agora entre os anjos e, levantando os troféus da própria paixão, gozam no céu da vida eterna com o eterno rei".

O imperador respondeu a Sinforosa: "Ou sacrificas com teus filhos aos deuses onipotentes, ou farei imolar-te com teus filhos". Acrescentou, em seguida, Sinforosa:

"Donde vem-me a graça de merecer ser oferecida com os meus filhos como vítima a Deus?". E o Imperador: "Eu te farei sacrificar aos meus deuses". A bem-aventurada Sinforosa respondeu: "Teus deuses não podem aceitar-me em sacrifício, mas se for imolada em nome de Cristo meu Deus, eu terei o poder de fazer que teus demônios se tornem cinzas". Disse, então, o imperador: "Escolhe uma das duas propostas: ou sacrificas aos meus deuses ou morrerás de morte trágica". Sinforosa, então, respondeu:

"Crês que possa mudar o meu propósito por um temor qualquer, enquanto o meu desejo mais vivo é repousar em paz junto do meu esposo Getúlio, que fizeste morrer pelo nome de Cristo?".

O imperador Adriano, então, mandou-a levar ao templo de Hércules e ali primeiramente fez com que fosse esbofeteada, depois dependurada pelos cabelos. Vendo, contudo, que de modo algum e com nenhuma ameaça conseguia demove-la do seu propósito, mandou atar-lhe uma pedra ao pescoço e afogá-la no rio. Seu irmão Eugênio, que tinha um cargo na cúria de Tívoli, recolheu o seu o corpo e sepultou-o na periferia daquela cidade.

No dia seguinte, o imperador Adriano mandou chamar à sua presença os seus sete filhos ao mesmo tempo. Quando viu que de modo algum, nem com promessas nem com ameaças, conseguia levá-los a sacrificar aos deuses, mandou levantar sete postes ao redor do templo de Hércules, e com a ajuda de máquinas, fez afligir os jovens. Em seguida mandou matá-los: Crescente, trespassado no pescoço; Juliano, no peito; Nemésio no coração; Primitivo, no umbigo; Justino, nas costas; Estacteno, no peito; Eugênio foi esquartejado da cabeça aos pés.


O imperador Adriano, retornando ao templo de Hércules do dia seguinte, mandou levar seus corpos embora e lançá-los numa fossa profunda, numa localidade que chamaram: "Aos sete justiçados".


Houve, depois disso, trégua de um ano e seis meses na perseguição; foi dada, nesse tempo, uma sepultura honrosa aos corpos dos mártires e foram construídas sepulturas para aqueles cujos nomes estão inscritos no livro da vida. Os mártires Sinforosa e seus sete filhos repousam na via Tiburtina, a cerca de oito milhas de Roma, sob o reinado de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem são devidas honra e glória nos séculos dos séculos. Amém".


Organizado e publicado por:
  Domingos Teixeira Costa



21 de outubro de 2017

Mártires no império ( III )



Os mártires de Tebas, Tiro e Ponto 

3.2. Os Mártires da Tebaida (Egito) "Não há palavras suficientes para falar das torturas e dores padecidas pelos mártires da Tebaida, dilacerados no corpo todo com cacos de louça até que expirassem. Em lugar dos ganchos de ferro, as mulheres que, amarradas ao alto por um pé e, por meio de roldanas, puxadas pela cabeça para baixo, com o corpo inteiramente nu, oferecendo aos olhares de todos o mais humilhante, cruel, e desumano dos espetáculos.

Outros morriam acorrentados aos troncos de árvores. Através de mecanismos, os carnífices dobravam ramos de árvores puxando, unindo-os, aos ramos mais duros, e amarravam a cada um deles as pernas dos mártires, deixando, depois que os ramos voltassem à sua posição natural, produzindo então um esquartejamento total dos homens contra os quais eram arquitetados tais suplícios.

Todas essas coisas não aconteceram por poucos dias ou por breve tempo, mas duraram por um longo período de anos; todos os dias pessoas eram mortas, algumas vezes, mais de dez, outras, mais de vinte, outras vezes ainda não menos de trinta, ou até mesmo cerca de sessenta pessoas. Num só dia foram dados à morte, acertadamente, cem homens com seus filhinhos e mulheres, justiçados através de um constante seguir-se de refinadas torturas.

Nós mesmos, presentes no lugar da execução, constatamos que num só dia foram mortas em massa fileiras de pessoas, em parte decapitadas, em parte queimadas vivas, tão numerosas eram os mortos, a ponto de fazer com que os carnífices perdessem as forças, e até mesmo quebrar, a lâmina de ferro que matava, enquanto os próprios carnífices, cansados, deviam ser substituídos.

Contemplamos então, o maravilhoso vigor, a força verdadeiramente divina e o zelo dos crentes em Cristo, o Filho de Deus. Tão logo, de fato, era pronunciada a sentença contra os primeiros condenados, outros surgiam de vários lugares diante do tribunal do juiz declarando-se cristãos, prontos a submeterem-se, sem sombra de hesitação, às terríveis penas e aos múltiplos gêneros de tortura que eram preparados contra eles.

Corajosos e intrépidos na defesa da religião do Deus do universo, acolhiam a sentença de morte com gestos de alegria e risos de júbilo, a ponto de entoarem hinos e cânticos e dirigir ações de graças ao Deus do universo, até o momento em que exalavam o último suspiro.

Realmente maravilhosos esses cristãos, mas ainda mais maravilhosos os que, gozando no século de uma brilhante posição devido à riqueza, nobreza, cargos públicos, eloquência, cultura filosófica, puseram tudo isso depois da verdadeira religião e da fé no Salvador e Senhor nosso, Jesus Cristo" (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 9).

3.3. Os mártires de Tiro da Fenícia. ”Foram também admiráveis, os que testemunharam a sua fé na própria terra, onde homens, mulheres e crianças, aos milhares, enfrentaram vários gêneros de morte pelo ensinamento do nosso Salvador.

Alguns foram queimados vivos, depois de terem sido submetidos a raspagens, ganchos, chicotadas, e outros milhares de refinadas torturas, terríveis só de ouvir. Outros foram lançados ao mar, outros ofereceram corajosamente a cabeça aos carnífices, outros morreram durante as próprias torturas ou esgotados pela fome. Outros ainda foram crucificados, quem da maneira comum aos ladrões, quem de maneira ainda mais cruel, isto é, pregados com a cabeça para baixo e vigiados até à morte, ou seja, até quando morriam de fome nos mesmos patíbulos” (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 8).

3.4. Os mártires do Ponto (Ásia Menor) "Os mártires das cidades do Ponto padeceram sofrimentos terríveis: alguns tiveram os dedos perfurados com bambus pontiagudos a partir da extremidade das unhas; para outros, fazia-se o derretimento de chumbo e, quando a matéria ardia e fervia, era derramada nas costas da vítima e as partes vitais do corpo eram queimadas.

Outros sofreram, em seus membros mais íntimos e nas vísceras, torturas repugnantes, cruéis, intoleráveis mesmo só de ouvir, que os ilustres juízes, vigilantes da lei, inventavam cheios de zelo, ostentando toda a própria maldade, como se fosse uma sabedoria particular, e concorrendo um com o outro na superação de invenções cruéis, como quem disputa os prêmios de uma competição.

O cúmulo da desventura abateu-se sobre os cristãos quando as autoridades pagãs, cansadas do excesso dos massacres e das mortes, saciadas do sangue derramado, assumiram uma atitude que, segundo eles, era de brandura e benignidade, parecendo que já não seriam capazes de excogitar algum castigo terrível contra nós.

Não seria justo - diziam eles - manchar cidades inteiras com o sangue de cidadãos, nem agir de modo a culpar de crueldade a suprema autoridade dos soberanos, benévola e branda para com todos; era necessário, contudo, estender a todos o benefício do humano poder imperial, não mais condenando ninguém à morte; pela indulgência dos imperadores foi, de fato, abolida esta pena em relação a nós.

Ordenou-se, então, que se arrancassem os olhos aos nossos irmãos e se lhes estropiasse uma perna, porque isso, segundo os pagãos, era um ato de humanidade e a mais leve das penas que se podiam aplicar. Como consequência dessa "generosidade" dos ímpios soberanos, não era possível dizer que se visse uma multidão de pessoas sem que a espada não tivesse arrancado a alguém o olho direito e, em seguida, cauterizado.

A outros, com ferros em brasa, era estropiado o pé esquerdo sob a articulação, depois do que eram destinados às minas de cobre das províncias, não tanto para que pudessem dar algum rendimento mas para aumentar a miséria e a desventura da situação deles.

Além destes, tão martirizados, havia outros submetidos a outras provas que nem sequer é possível nomear, porque as "bravuras" realizadas contra nós superam qualquer descrição. Distinguindo-se nessas provas sobre toda a terra, os nobres mártires de Cristo surpreendiam os que foram testemunhas do seu valor, e através de sua conduta ofereceram provas evidentes da secreta e realmente divina força do nosso Salvador. Seria muito longo, para não dizer impossível recordar o nome de cada um". (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 12)



Organizado e publicado por
  Domingos Teixeira Costa