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4 de junho de 2008

Vencemos os EUA - e agora?

Quase seis anos depois de iniciar o debate, o Brasil conseguiu mais uma vitória - definitiva, espera-se - contra a política americana de subsídios a produtores e exportadores de algodão. Para que servirá essa vitória ainda não se sabe: nos processos da OMC, quem ganha nem sempre leva, principalmente quando o perdedor é o país mais poderoso do mundo. Neste caso, há quem acuse o governo brasileiro de ter deixado a história arrastar-se por muito tempo. As consultas preliminares começaram em 2002, o processo foi aberto em 2003, os Estados Unidos foram condenados em 2004, recorreram e perderam em 2005. O Brasil ganhou o direito de impor uma retaliação no valor de US$ 4 bilhões, mas preferiu negociar e dar um tempo para os EUA mudarem sua política. Dois anos foram perdidos. Novo processo foi aberto e a posição brasileira mais uma vez prevaleceu. Até agora o Itamaraty não informou se pedirá autorização ao painel arbitral para impor retaliação.
Dentro de um mês o painel da OMC deverá determinar o valor das contramedidas aplicáveis pelo Brasil aos EUA. Mas o governo brasileiro, segundo nota do Itamaraty, espera das autoridades americanas medidas legislativas para eliminação das práticas condenadas pela OMC. Não está claro se Brasília pretende mais uma vez contemporizar ou se ainda não definiu a melhor forma de aproveitar a nova vitória.
O empresário Pedro Camargo Neto, ex-secretário de Produção do Ministério da Agricultura e iniciador, em 2002, da disputa com os EUA, demonstra ceticismo e frustração. O governo, segundo ele, errou ao dar um prazo às autoridades americanas depois da vitória de 2005. De acordo com o ex-secretário, os negociadores brasileiros tinham a esperança de ver o assunto resolvido na Rodada Doha. Perderam a aposta e a oportunidade. “O correto seria o inverso, pressionar no contencioso para acelerar a Rodada Doha”, sustenta Camargo Neto.
A situação agora é mais complicada. O Congresso americano aprovou uma nova lei agrícola e manteve um enorme volume de subsídios à agricultura. Os produtores de algodão, grandes financiadores de campanhas políticas, mais uma vez conseguiram manter suas vantagens. O presidente George W. Bush vetou a lei, mas os congressistas derrubaram o veto.
Segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, o Brasil poderá renunciar à aplicação de sanções, se os americanos admitirem reduzir os subsídios agrícolas na Rodada Doha. Mas a rodada continua emperrada, não só por causa da questão agrícola, mas também por falta de entendimento sobre o comércio de bens industriais. O mediador das negociações sobre indústria, Don Stephenson, interrompeu mais uma vez o trabalho da comissão na segunda-feira.
Deixar o assunto do algodão para ser resolvido na Rodada Doha pode ser a repetição de um erro, especialmente porque a evolução das negociações é muito incerta. De toda forma, será possível ter uma idéia mais clara sobre isso até o fim do mês. Se não houver o acordo mínimo necessário para uma reunião ministerial em junho, dificilmente haverá condições para qualquer avanço em 2008, por causa das eleições americanas.
Mas é no mínimo estranho deixar para as negociações globais de comércio a solução definitiva do problema do algodão. A condenação da política americana pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC deveria ser suficiente para liquidar o assunto. Não teria sentido, num mundo de regras com razoável eficácia, incluir em negociações globais uma prática já condenada por sua ilegalidade. O sistema comercial terá sempre um funcionamento precário enquanto as decisões dos árbitros dependerem, para ser aplicadas, do poder de retaliação do país vencedor do processo. Nenhuma reforma do comércio internacional será inteiramente bem-sucedida enquanto o sistema, operado pela OMC, não dispuser de um poder supranacional de enforcement, isto é, de imposição das normas. Enquanto isso não ocorrer, o vencedor de um processo contra uma grande potência naquela organização será sempre forçado a escolher entre a solução ousada e a composição prudente - ou até mesmo a contentar-se com uma vitória moral.
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