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"A floresta 'está entregue?"
Ministro do Meio Ambiente afirma que saída de Marina Silva deixou impressão de que a floresta 'está entregue?'
Fabiana Cimieri, de O Estado de S. Paulo
RIO - Conter o avanço do desmatamento na Amazônia é o maior desafio que o provável futuro ministro do Meio Ambiente
Carlos Minc (PT) acredita que terá ao assumir o cargo ocupado até a semana passada pela senadora Marina Silva (PT). Para ele, que estava em Paris quando resolveu aceitar o convite feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a saída de Marina deixou na opinião pública internacional a impressão de que "a Amazônia está entregue".
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Minc reúne-se nesta segunda-feira, 19, com Lula para apresentar 10 condições para aceitar o cargo, entre elas a idéia de usar o Exército para proteger as unidades de conservação e reservas extrativistas na Amazônia, adotar metas de desmatamento - o que sua antecessora sempre se esquivou de fazer - e criar centros de biotecnologia de ponta para estudar a biodiversidade da floresta.
Em entrevista concedida neste domingo, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, Minc reafirmou que a floresta "não vai virar carvão" porque irá manter a política ambiental e os principais quadros técnicos da gestão de sua antecessora, com quem tem um encontro marcado em Brasília, antes da reunião com o presidente. Trouxe de presente de viagem para a ex-ministra uma blusa de seda crua verde e elogios rasgados: "Mesmo que eu fique dez anos no governo não vou conhecer metade da Amazônia como ela conhece".
Sobre o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, cuja atribuição de executar o Plano da Amazônia Sustentável teria sido a gota d' água para a saída de Marina, Minc irá sugerir ao presidente que ele analise o projeto "para o futuro, globalmente" e coloque um coordenador-executivo que seja um gestor local. "Eu sei como é isso, a pessoa tem que ficar lá gerindo a cada momento a questão da grilagem, do desmatamento, das alternativas, não criminalizar toda atividade econômica". Sugeriu o ex-governador Jorge Vianna, "que tem mais competência e mais trânsito político do que eu", mas disse já saber que ele não aceitará o cargo.
Minc afirmou não ter se abalado com as críticas dos ruralistas, de que não teria conhecimento da Amazônia por ser um "ecologista de Copacabana". "Se eu fosse elogiado pelos ruralistas ficaria um pouco preocupado", brincou. Para o secretário de Ambiente do Rio, que disse ter aceitado o cargo por "pequenas pressões, principalmente do governador Sergio Cabral", Lula ficou impressionado com a desburocratização do licenciamento ambiental no Estado. E mandou um recado: "Acho que isso encheu os olhos do presidente. Mas talvez ele não saiba o resto da história: para fazer isso tudo tem que ter autonomia, poder e dinheiro", disse ele.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Carlos Minc:
A primeira entrevista
"A idéia de arrogância (na entrevista concedida no Aeroporto de Paris) veio do fato de eu ter colocado condições de trabalho, mas na verdade são muito mais do que as que foram colocadas. Arrogância seria imaginar que eu pudesse desempenhar uma missão para o qual eu tenho dúvidas se estou à altura, sem ter condições de trabalho. Seria se imaginasse que posso enfrentar os problemas ambientais do Brasil, que são cem vezes mais complicados do que os do Rio de Janeiro, sem ter o mínimo de condições de trabalho. Seria uma frustração para o presidente Lula e para mim. Arrogância seria se eu me achasse o Super-Minc, que tendo ou não condições, resolveria a parada. Não é assim."
Desafios
"Do ponto de vista do planeta, da opinião pública internacional e do trauma que ocasionou a saída da Marina, sem dúvida nenhuma a Amazônia está no centro das questões. Não sou um grande conhecedor, embora minha tese de doutorado seja sobre a Amazônia, mas vou me cercar dos melhores especialistas, muitos deles da equipe da Marina. Por isso segunda-feira, antes de conversar com o presidente Lula, vou conversar com Marina e equipe. Mas quero colocar outros pontos também como prioridade. Na Amazônia moram 25 milhões de pessoas que precisam de condições dignas de sobreviver sem destruir a floresta."
"Cabe a nós e à comunidade científica resolver como. Outros 165 milhões de brasileiros vivem no meio do lixo e do esgoto. Eu também pretendo colocar na pauta a questão urbana e industrial. A questão de tecnologia limpa, padrões de emissão, plano nacional de saneamento, transformar lixo em energia. Até porque sou do Sudeste, também acho que esses problemas são muito relevantes."
Licenciamentos
"O que mais agradou ao "camarada Lula" foi a questão da agilidade do licenciamento ambiental.Tínhamos uma pilha de 15 mil licenças. Onde tem uma pilha dessas, tem burocracia e corrupção. O primeiro passo foi descentralizar para os municípios o licenciamento ambiental de pequeno e médio portes para o município que comprovasse ter secretaria, fundo, conselho, e mesmo assim passasse por um curso de qualificação para preparar os técnicos do município. Você pode ser mais ágil e mais rigoroso. Não é porque um licenciamento demora três anos que isso é garantia de que ele será um instrumento de defesa da vida e dos ecobiomas."
"O bom exemplo disso é o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que foi o mais ágil e mais rigoroso processo de licenciamento que já existiu. Demorou seis meses quando a própria Petrobrás esperava que demorasse um ano e meio. Acho que isso encheu os olhos do presidente. Mas talvez ele não saiba o resto da história: para fazer isso tudo tem que ter autonomia, poder e dinheiro."
Repercussão
"A gente tem dificuldade de conter a favelização no Rio, o que dirá do desmatamento numa região que é maior do que a Europa. Como eu sou um ambientalista e vou ser duro nessa área, não espero ser aplaudido de pé pelos grandes desmatadores. O fato de alguém que sinta a pressão do controle ambiental não vibrar com a minha escolha é normal. O cara (Blairo Maggi, empresário de soja e governador do Mato Grosso) é o próprio governador, manda na polícia, mas todos tem que ter limites. Mas para contentar um pouco o pessoal do "agrobusiness" eu poderia dizer o seguinte: nós, os ecochatos de plantão também temos que ter bom senso. Se fôssemos muito fortes há 80 anos atrás, provavelmente não haveria Pão de Açúcar e Corcovados, que foram feitos em costões rochosos. E como carioca, acho ótimo que tenha o Pão de Açúcar e o Corcovado."
Ruralistas
"Se eu fosse elogiado pelos ruralistas, ficaria realmente preocupado. O que acontece é que, com o afastamento da Marina, a primeira sinalização internacional foi: a Amazônia está indefesa. A defensora da Amazônia saiu, a Amazônia está entregue. A imprensa estrangeira queria saber qual era a garantia de que a Amazônia não será devastada, já que a Marina , depois de diversas derrotas e enfraquecimentos, jogou a toalha. Eu tive que explicar por que é que a Amazônia não vai virar carvão. Vamos manter a política da Marina e boa parte dos quadros dela."
Exército
"A primeira das dez coisas que eu vou propor (na reunião com o presidente Lula) é um replique do que fizemos com os bombeiros nas unidades de conservação do Rio. Tínhamos unidades de conservação que, comparadas às da Amazônia são ridículas, que eram cuidadas por dois funcionários do Instituto Estadual de Florestas. Convencemos o (governador) Sérgio Cabral a criar os guarda-parques, que é um destacamento dos bombeiros lotados dentro das unidades de conservação. Eu vou propor isso ao Exército, que se crie destacamentos, que se aloque alguns regimentos da Forças Armadas para funcionar dentro dos parques nacionais, cuidando também do entorno deles e das reservas extrativistas."
Saneamento
"O saneamento, que é a maior causa de mortalidade infantil, de poluição de rios, lagoas e lagos, está fora do ministério (do Meio Ambiente). Não estou querendo dizer que quero trazer para o ministério os vultosos recursos que estão no ministério da Integração ou das Cidades. Tenho vários defeitos, mas não sou ingênuo. Acho que o Meio Ambiente deve participar de uma estratégia de saneamento ambiental nacional. Vou levar para o Lula um plano decenal para passar de 35% para 75% o número de pessoas que têm acesso à coleta e tratamento de esgoto."
Energia
"Brasil tem uma das melhores matrizes energéticas, mas isso está mudando porque tem entrado muitas térmicas a gás e a carvão. Não quero ser o dono dessa questão, mas participar das equipes que formulem essas políticas. Nosso padrão de emissão é muito frouxo em relação aos da Europa. No Rio de Janeiro, o padrão exigido é maior do que o que vale para o País. Vou querer tornar as normas mais rigorosas para as emissões de NOX (Óxido de Nitrogênio), SO2 (Dióxido Sulfúrico) e vários outros poluentes."
"Outra sugestão que eu vou levar do Rio é um decreto que o Sérgio Cabral deve assinar nos próximos dias, criando a compensação energética. Para 100 megawatts de energia gerados em uma térmica a partir de uma fonte fóssil, seja ela gás, carvão ou óleo, 5, 10 ou 15 megawatts devem ser gerados a partir de fontes renováveis, sejam elas eólica, solar, PCH (Pequena Central Elétrica), metano ou bagaço de cana. Pode fazer (a térmica), mas em regiões não-saturadas, com a melhor tecnologia, com menores padrões de emissão."
Biotecnologia
"A Academia Brasileira de Ciência tem um projeto meio abandonado que é fazer na Amazônia três centros de ponta de pesquisas de fronteira tecnológica para utilização da biodiversidade da floresta, gerando oportunidades de emprego e renda sem destruir. Transformar esse banco genético em pastagem de baixa produtividade não é botar a ecologia contra o desenvolvimento econômico. É botar a ecologia contra a barbárie. Transformar a Amazônia em pasto não é a moderna economia, é uma regressão econômica, ainda mais que como valor que a biotecnologia tem hoje."
ICMS Verde
No Estado do Rio, o prefeito que defende o meio ambiente ganha mais recursos. Por que não criar um mecanismo semelhante para a Amazônia?
"Eu conheço o Plano da Amazônia Sustentável (PAS), é um bom plano. Eu pretendo complementá-lo com um outro que foi abandonado, chamado Desmatamento Zero em Sete Anos. Vou propor ao presidente Lula que a gente aborde aspectos desse plano não para substituir o PAS, mas para se integrar com ele. Eu acho que o PAS tem que ter a influência de vários ministérios, entre os quais o Meio Ambiente, e ter um secretário-executivo local forte, por isso eu tinha sugerido o Jorge Vianna. Quem decide é o presidente, a gente pode dar sugestões porque sugerir não ofende."
"O Mangabeira Unger é um grande intelectual e entendo que o presidente atribuiu a ele a idéia de pensar o plano para o futuro, globalmente. Isso não é absolutamente uma coisa má porque ele é um grande formulador , mas um plano como esse precisa de um gestor local que conheça os prefeitos, os governadores e fique lá."
Metas de Desmatamento
"Sou favorável a adoção de metas para o desmatamento zero em sete anos. Mas acho que isso deve ser um produto do desenvolvimento de atividades econômicas alternativas. Cabe ao governo e a comunidade científica organizarem alternativas e recursos para um fundo internacional. A (ex-ministra) Marina, pelo seu prestígio internacional, seria a pessoa ideal para capitalizar esse fundo de créditos."
Postura
"(Vou adotar a política de) confronto, no sentido de que não costumo transigir. Quando é não, é não. Teve uma grande usina elétrica que quis se instalar em Itaguaí (município da Baixada Fluminense). Era uma térmica de R$ 1 bilhão, mas disse: "infelizmente, governador, nessa área não pode ser, vai se transformar numa nova Cubatão". Por outro lado, surpreendi muito os empresários."
"Como ecoxiita de plantão, que vivia infernizando a vida das empresas poluidoras, uma das minhas primeiras atitudes no governo foi chamar a Federação de Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) para votar o licenciamento junto da universidade, municípios e governo e também para participar da Câmara Técnica de Compensação Ambiental. Para ser duro, não obrigatoriamente precisa ser maniqueísta e sectário. A regra vai ser dura, mas vamos chamar para discutir. Quem não cumprir, vai ser tratado como criminoso ambiental."
www.estadao.com.br/nacional/not_nac174641,0.htm