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18 de janeiro de 2007

Evangelho de Bartolomeu

Evangelho Apócrifo A Conversa de Bartolomeu e Cristo com Beliel I - Depois que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos, acercou-se dele Bartolomeu e abordou-o desta maneira: — Desvela-nos, Senhor, os mistérios dos céus. Jesus respondeu-lhe: — Se não me despojar deste corpo carnal não os poderei desvelar. Bartolomeu, pois, acercando-se do Senhor, disse-lhe: —Tenho algo a dizer-lhe, Senhor. Jesus, por sua vez, respondeu: — Já sei o que me vais dizer. Dize-me, pois, o que quiseres. Pergunta e eu te darei a razão. Bartolomeu, então, falou: — Quando ias no caminho da cruz, eu te segui de longe. E te vi a ti, dependurado no lenho, e os anjos que, descendo dos céus, te adoraram. Ao sobrevirem as trevas..... ... eu estava a tudo contemplando. Eu vi como desapareceste da cruz e só pude ouvir os lamentos e o ranger de dentes que se produziram subitamente das entranhas da terra. Dize-me, Senhor, onde foste depois da cruz. Jesus, então, respondeu desta forma: — Feliz de ti, Bartolomeu, meu amado, porque te foi dado contemplar este mistério. Agora podes perguntar-me qualquer coisa que a ti ocorra, porque tudo dar-te-ei eu a conhecer. Quando desapareci da cruz, desci aos Infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às suplicas do arcanjo Gabriel. Então disse Bartolomeu: — E o que significa aquela voz que se ouviu? Responde-lhe Jesus: — Era a voz do Tártaro que dizia a Belial: a meu modo de ver, Deus se fez presente aqui. Quando desci, pois, com meus anjos ao Inferno para romper os ferrolhos e as portas de bronze, dizia ele ao Diabo: parece-me que é como se Deus tivesse vindo à terra. E os anjos dirigiram seus clamores às potestades, dizendo: levantai, ó príncipes, as portas e fazei correr as cortinas eternas, porque o Reino da Glória vai descer à terra. E o Inferno disse: quem é esse Rei da Glória que vem do céu a nós? Mas quando já havia descido quinhentos passos, o Inferno encheu-se de turbação e disse: parece-me que é Deus que baixa à terra, pois ouço a voz do Altíssimo e não o posso agüentar. E o Diabo respondeu: não percas o ânimo, Inferno; recobra teu vigor, que Deus não desce à terra. Quando voltei a baixar outros quinhentos passos, os anjos e potestades exclamaram: alçai as portas ao vosso Reino e elevai as cortinas eternas, pois es que está para entrar o Rei da Glória. Disse de novo o Inferno: ai de mim! Já sinto o sopro de Deus. E disse o Diabo ao Inferno: para que me assustas, Inferno? Se somente é um profeta que tem algo semelhante com Deus ... Apanhemo-lo e levemo-lo à presença desses que crêem que está subindo ao céu. Mas replicou o Inferno: e quem é entre os profetas? Informa-me. É, por acaso, Enoch, o escritor mui verdadeiro? Mas Deus não lhe permite baixar à terra antes de seis mil anos. Acaso te referes a Elias, o vingador? Mas este não poderá descer até o final do mundo. Que farei? Para nossa perdição, é chegado o fim de tudo, pois aqui tenho escrito em minha mão o número dos anos. Belial disse ao Tártaro: não te perturbes. Assegura bem teus poderes e reforça os ferrolhos. Acredita-me, Deus não baixa à terra. Responde o Inferno: não posso ouvir tuas belas palavras. Sinto que se me arrebenta o ventre e minhas entranhas enchem-se de aflição. Outra coisa não pode ser: Deus apresentou-se aqui. Ai de mim! Aonde irei esconder-me de seu rosto, da sua força do grande Rei? Deixa-me que me esconda em tuas entranhas, pois fui criado antes de ti. Naquele preciso momento, entrei. Eu o flagelei e o atei com correntes que não se rompem. Depois fiz sair a todos os Patriarcas e voltei novamente para a cruz. — Dize-me, Senhor — disse-lhe Bartolomeu. — Quem era aquele homem de talhe gigantesco a quem os anjos levavam em suas mãos? Jesus respondeu: — Aquele era Adão, o primeiro homem que foi criado, a quem fiz descer do céu à terra. E eu lhe disse: por ti e por teus descendentes fui pregado na cruz. Ele, ao ouvir isso, deu um suspiro e disse: assim, rendo-me a ti, Senhor. De novo disse Bartolomeu: — Vi também os anjos que subiam diante de Adão e que entoavam hinos, mas um destes, o mais esbelto de todos, não queria subir. Tinha em suas mãos uma espada de fogo e fazia sinais somente a ti. Os demais rogavam que ele subisse ao céu, mas ele não queria. Quando, porém, tu o mandaste subir, vi uma chama que saia de suas mãos e que chegava à cidade de Jerusalém. Disse Jesus: — Era um dos anjos encarregados de vingar o trono de Deus. E estava suplicando a mim. A chama que viste sair de suas mãos feriu o edifício da sinagoga dos judeus para dar testemunho de mim, por terem eles me sacrificado. Quando falou isso, disse aos apóstolos: — Esperai-me neste lugar, porque hoje se oferece um sacrifício no paraíso e ali hei de estar para recebê-los. Falou Bartolomeu: — Qual é o sacrifício que se oferece hoje no paraíso? Jesus respondeu: — As almas dos justos, que saíram do corpo, vão entrar hoje no Éden e, se eu não estiver lá presente, não poderão entrar. Bartolomeu continuou: — Quantas almas saem diariamente deste mundo? Disse-lhe Jesus: — Trinta mil.— Insistiu Bartolomeu: — Senhor, quando te encontravas entre nós ensinando-nos tua palavra, recebia sacrifícios no paraíso? — Respondeu-lhe Jesus: — Em verdade te digo eu, meu amado, que, quando me encontrava entre vós ensinando-vos a palavra, estava simultaneamente sentado junto de meu Pai. Disse-lhe Bartolomeu: — Quantas almas nascem diariamente no mundo? Responde-lhe Jesus: — Uma só a mais do que as que saem do mundo. Dizendo isto, deu-lhes a paz e desapareceu no meio deles. II 1. Estavam os apóstolos em um lugar chamado Chiltura, com Maria, a Mãe de Jesus Cristo. Bartolomeu, acercando-se de Pedro, André e João, disse-lhes: — Por que não pedimos à cheia de graça que nos diga como concebeu ao Senhor e como pôde carregar em seu seio e dar à luz o que não pôde ser gestado? Eles vacilaram em perguntar-lhe. Disse Bartolomeu a Pedro: — Tu, como corifeu e nosso mestre que és, acerca-te e pergunta-lhe. Mas, ao ver todos vacilantes e em desacordo, Bartolomeu acercou-se dela e disse: — Deus te salve, Tabernáculo do Altísimo; aqui viemos todos os apóstolos a perguntar-te como concebeste ao que é incompreensível, e como carregaste em teu seio aquele que não pôde ser gestado, ou como, enfim, deste à luz tanta grandeza. Maria respondeu: — Não me interrogueis acerca deste mistério. Se começar a falar-vos dele, sairá fogo de minha boca e consumirá toda a terra. Eles insistiram e Maria, não querendo dar-lhes ouvidos, disse: — Oremos.— Os apóstolos puseram-se de pé atrás de Maria. Esta disse a Pedro: — E tu, Pedro, que és chefe e grande pilar, estás de pé atrás de nós? Pois não disse o Senhor que a cabeça do varão é Cristo e a da mulher é o varão?’ Eles replicaram: — O Senhor plantou sua tenda em ti e em tua pessoa houve por bem ser contido. Tu deves ser nossa guia na oração. Maria, então, disse-lhes: — Vós sois estrelas brilhantes do céu. Vós sois os que devem orar. Disseram eles: — Tu deves orar, pois que sois a Mãe do Rei Celestial. Maria colocou-se diante deles e elevando as mãos aos céus começou a dizer: — Ó Deus, tu que és o Grande, o Sapientíssimo, o Rei dos séculos, inexplicável, inefável, aquele que com uma palavra deu consistência às magnitudes siderais, aquele que fundamentou em afinada harmonia a excelsitude do firmamento, aquele que separou a obscuridade tenebrosa da luz, aquele que alicerçou em um mesmo lugar os mananciais das águas; tu que deste base à terra, tu que não podendo ser contido nos sete céus, te dignaste a ser contido em mim sem dor alguma, sendo Verbo Perfeito do Pai, por quem todas as coisas foram feitas; da glória, Senhor, a teu magnífico nome, manda-me falar na presença de teus santos apóstolos. Terminada a oração, disse: — Sentemo-nos no chão e vem tu, Pedro, que és o chefe. Senta-te à minha direita e apoia com tua esquerda meu braço. Tu, André faz o mesmo do lado esquerdo. Tu, João, que és virgem, segura meu peito. E tu, Bartolomeu, põe-te de joelhos atrás de mim e apóia minhas costas para que, ao começar falar, meus ossos não se desarticulem. Quando fizeram isso, começou ela a falar: — Estando eu no templo de Deus, aonde recebia alimento das mãos de um anjo, apareceu-me certo dia uma figura que me pareceu ser angélica. Mas seu semblante era indescritível, e não levava nas mãos nem o pão nem o cálice, como o anjo que anteriormente tinha vindo a mim. Eis que de repente, rasgou-se o véu do templo e sobreveio um grande terremoto. Joguei-me por terra, não podendo suportar o semblante do anjo, mas ele estendeu-me sua mão e levantou-me. Olhei para o céu e vi uma nuvem de orvalho que aspergiu-me da cabeça aos pés. Então ele enxugou-me com o seu manto e disse-me: salve, cheia de graça, cálice da eleita. Deu, então, um golpe com sua mão direita e apareceu um pão muito grande, que colocou sobre o altar do templo. Comeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. Deu outro golpe com a ourela esquerda de sua túnica e apareceu um cálice muito grande e cheio de vinho. Bebeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. E meus olhos viram um cálice transbordante e um pão. Disse-me, então: ao cabo de três anos, eu te dirigirei novamente minha palavra e conceberás um filho pelo qual será salva toda a criação. Tu és o cálice do mundo. A paz esteja contigo, minha amada, e minha paz te acompanhará sempre. Após isto, desapareceu de minha presença, ficando o templo como estava anteriormente. Ao terminar de falar, começou a sair fogo de sua boca. Quando o mundo estava para ser destruído, apareceu o Senhor que disse a Maria: — Não desveles este mistério, porque se o fizerdes no dia de hoje sofrerá a criação inteira um cataclismo. Os apóstolos, consternados, temeram que o Senhor pudesse irar-se contra eles. III O Senhor caminhou com eles até o Monte Moria e se sentou no meio deles. Como tinham medo, hesitavam em perguntar-lhe. Jesus incitou-os: — Perguntai-me o que quiserdes, pois dentro de sete dias partirei para o meu Pai e já não estarei visível a vós nesta forma. Eles, vacilantes, disseram: — Permite-nos ver o abismo, como nos prometeste. Respondeu Jesus: — Melhor seria para vós não verdes o abismo; mas, se o queres, segui-me e o vereis. Ele os conduziu ao local chamado Cherudik, cujo significado é lugar de verdade, e fez um sinal aos anjos do Ocidente. A terra abriu-se como um livro e o abismo apareceu. Ao vê-lo, os apóstolos prostraram-se em terra, mas o Senhor os ergueu dizendo: — Não vos dizia, há pouco, que não vos faria bem verdes o abismo?’ IV Jesus tomou-os de novo e pôs-se a caminho do monte das Oliveiras. Pedro disse a Maria: — Oh tu, cheia de graça, roga ao senhor que nos revele os arcanjos celestiais. Maria respondeu a Pedro: — Oh tu, pedra escolhida por acaso não prometeu ele fundar sua Igreja sobre ti? Pedro insistiu: — A ti, que és um amplo tabernáculo, cabe perguntar. Disse Maria: — Tu és a imagem de Adão e este não foi formado da mesma maneira que Eva. Observa o sol e vê que, tal qual Adão, ele se avantaja em brilho aos demais astros. Observa também a lua e vê como está enodoada pela transgressão de Eva. Porque pôs Adão ao oriente e Eva ao Ocidente, ordenando a ambos que ofereçam a face mutuamente. Quando chegaram ao cimo do monte o Senhor afastou-se um pouco deles, e Pedro disse a Maria: — Tu és aquela que desfez a infração de Eva, transformando-a de vergonha em regozijo. Quando Jesus retornou, disse-lhe Bartolomeu: — Senhor, mostra-nos o inimigo dos homens para que vejamos quem é e quais são suas obras, já que nem mesmo de ti se apiedou, fazendo-te pender do patíbulo. Jesus, fixando nele seu olhar, disse-lhe: — Teu coração é duro. Não te é dado ver isso que pedes. Então, Bartolomeu, todo agitado, caiu aos pés de Jesus, dizendo: — Jesus Cristo, chama inextinguível, criador da luz eterna, tu que hás dado a graça universal a todos os que te amam e que nos hás outorgado por meio da Virgem Maria o fulgor perene da tua presença neste mundo, concede-nos o nosso desejo. Quando Bartolomeu acaba de falar, o Senhor ergueu-se dizendo: — Vejo que é teu desejo ver o adversário dos homens. Mas lembra-te que, ao fitá-lo, não apenas tu mas também os demais apóstolos e Maria caireis por terra e ficareis como mortos. Mas todos lhe disseram: — Senhor, vejamo-lo. Então fê-los descer do monte das Oliveiras. E, havendo lançado um olhar enfurecido aos anjos que custodiavam o Tártaro, ordenou a Micael que fizesse soar a trombeta fortemente. Quando este o fez, Belial subiu aprisionado por 6 064 anjos e atado com correntes de fogo. O dragão tinha de altura mil e seiscentos côvados e de largura, quarenta. Seu rosto era como uma centelha e seus olhos, tenebrosos. Do seu nariz saía uma fumaça mal-cheirosa e sua boca era como a face de um precipício. Ao vê-lo, os apóstolos caíram por terra sobre os rostos e ficaram como que mortos. Jesus acercou-se deles, ergueu-os e infundiu-lhes ânimo. Disse a Bartolomeu: — Pisa com teu próprio pé sua cerviz e pergunta-lhe quais foram suas obras até agora e como engana os homens. Jesus estava de pé com os demais apóstolos. Bartolomeu, temeroso, ergueu a voz e disse: — Bendito seja desde agora e para sempre o nome de teu reino imortal. Quando ele acabou de dizer isso, Jesus o exortou de novo: — Anda, pisa a cerviz de Belial. Bartolomeu caminhou apressadamente para Belial e pisou-lhe o pescoço, deixando-o a tremer. Bartolomeu fugiu assustado, dizendo: — Deixa-me pegar a borda de tuas vestes para que me atreva a aproximar-me dele. Jesus respondeu-lhe: — Não podes tocar a fímbria das minhas vestes porque não são as mesma que eu tinha antes de ser crucificado. Disse-lhe Bartolomeu: — Tenho medo, Senhor, de que, assim como não se compadeceu dos anjos, da mesma maneira me esmague também a mim. Respondeu Jesus: — Mas por acaso não se acertaram todas as coisas graças à minha palavra e à inteligência de meu Pai? A Salomão se submeteram os espíritos. Vai tu, pois, em meu nome, e pergunta-lhe o que quiseres. Ao fazer Bartolomeu o sinal da cruz e orar a Jesus, irrompeu um incêndio e as vestes do apóstolo foram tomadas pelas chamas. Disse-lhe então Jesus de novo: — Pisa, como te disse, na cerviz, de maneira que possas perguntar-lhe qual é o seu poder. Bartolomeu, pois, se foi e pisou-lhe a cerviz, que trazia oculta até as orelhas, dizendo-lhe: — Dizei-me quem és tu e qual é teu nome. Bartolomeu, afrouxou-lhe um pouco as ligaduras e lhe disse: — Conta tudo quanto tens feito. Respondeu Belial: — A princípio me chamava Satanail, que quer dizer mensageiro de Deus, Mas, desde que não reconheci a imagem de Deus, meu nome foi mudado para Satanás, que quer dizer anjo guardião do tártaro. Bartolomeu falou de novo: — Conta tudo sem nada ocultar. Ele respondeu: — Juro-te pela glória de Deus que, ainda que quisesse ocultá-lo, ser-me-ia impossível. Está aqui presente aquele que me acusa. E se me fosse possível vos faria desaparecer a todos da mesma maneira que o fiz com aquele que pregou para vós. Também fui chamado primeiro anjo porque, quando Deus fez o céu e a terra, apanhou um punhado de fogo e formou-me a mim primeiro e o segundo foi Micael, e o terceiro Gabriel, e o quarto Rafael, e o quinto Uriel, o sexto Xathsnael e assim outros seis mil anjos, cujos nomes me é impossível pronunciar, pois são os lictores de Deus e me flagelam sete vezes a cada dia e sete vezes a cada noite. Não me deixam um momento e são os encarregados de minar minhas forças. Os anjos vingadores são estes que estão diante do trono de Deus. Eles foram criados primeiro. Depois destes foi criada a multidão dos anjos: no primeiro céu há cem miríades; no segundo, cem miríades; no terceiro, cem miríades; no quarto, cem miríades; no quinto, cem miríades, no sexto, cem miríades; no sétimo, cem miríades. Fora do âmbito dos sete céus está o primeiro firmamento, onde residem as potestades que exercem sua atividade sobre o homem. Há também outros quatro anjos: Um é Bóreas, cujo nome é Vroil Cherum, tem na mão uma vara de fogo e neutraliza a força que a umidade exerce sobre a terra, para que esta não chegue a secar. Outro anjo está no Aquilon e seu nome é Elvisthá. Etalfatha tem a ser cargo o Aquilon. E ambos, ele e Mauch, que está na Bóreas, mantêm em suas mãos tochas incendiadas e varas de fogo para neutralizar o frio, o frio dos ventos, de maneira que a terra não se resseque e o mundo não pereça. Cedor cuida do Austro, para que o sol não perturbe a terra, pois Levenior apaga a chama que sai da boca daquele, para que a terra não seja abrasada. Há outro anjo que exerce domínio sobre o mar e reduz o empuxo das ondas. O mais não estou a revelar. Insistiu Bartolomeu: — Anda dize-me, malfeitor e mentiroso, ladrão desde o berço, cheio de amargura, engano, inveja e astúcia, velho réptil, trapaceiro, lobo rapace, como te arrumas para induzir os homens a deixar o Deus vivo, criador de todas as coisas, que fez o céu e a terra e tudo que neles está contido? Pois és sempre inimigo do gênero humano. Disse o Anticristo: — Dir-te-ei. Es aqui uma roda que sobe do abismo e tem sete facas de fogo. A primeira delas tem doze canais. Perguntou-lhe Bartolomeu: — Quem está nas facas? Respondeu o Anticristo: — No canal ígneo da primeira faca ficam os inclinados ao sortilégio, à adivinhação e à arte de encantamento e também os que neles crêem e o buscam, já que por malícia de seu coração buscaram adivinhações falsas. No segundo canal de fogo vão os blasfemos, que maldizem de Deus, de seu próximo e das Escrituras. Também ficam ai os feiticeiros e os que os buscam e lhes dão crédito. Entre os meus encontram-se também os suicidas, os que se lançam à água, ou se enforcam, ou se ferem com a espada. Todos esses estarão comigo. No terceiro canal vão os homicidas, os que se entregam à idolatria e os que se deixam dominar pela avareza ou pela inveja, que foi o que me arrojou do céu à terra. Nos demais canais vão os perjuros, os soberbos, os ladrões, os que desprezam os peregrinos, os que não dão esmolas, os que não ajudam os encarcerados, os caluniadores, os que não amam o próximo e os demais pecadores que não buscam a Deus ou o servem debilmente. A todos esses eu os submeto ao meu arbítrio. Tornou, então, Bartolomeu: — Dize-me, diabo mentiroso e insincero! Fazes tu essas coisas pessoalmente ou por intermédio de teus iguais? Respondeu-lhe o Anticristo: —Oh se eu pudesse sair e fazer essas coisas por mim mesmo! Em três dias destruiria o mundo inteiro. Desgraçadamente, porém, nem eu nem nenhum dos que foram arrojados juntamente comigo podemos sair. Temos, todavia, outros ministros mais fracos que, por sua vez, atraem outros colegas ao quais emprestamos nossa vestimentas e mandamos semear insídias que enredem as almas dos homens com muita suavidade, afagando-as, para que se deixem dominar pela embriaguez, a avareza, a blasfêmia, o homicídio, o furto, a fornicação, a apostasia, a idolatria, o abandono da Igreja, o desprezo da Cruz, o falso testemunho, enfim, tudo o que Deus abomina. Isso é o que nós fazemos. A uns nós os deitamos ao fogo. A outros, nós os lançamos das árvores para que se afoguem. A uns rompemos pés e mãos e a outros lhes arrancamos os olhos. Estas e outras coisas são o que fazemos. Oferecemos ouro e prata e tudo mais que é cobiçável no mundo e àqueles que não conseguimos que pequem despertos fazemo-los pecar adormecidos. Também direi os nomes dos anjos de Deus que nos são contrários. Um deles chama-se Mermeoth, que é o que domina as tempestades. Meus satélites o conjuram e ele lhe dá permissão para que habitem onde queiram; mas ao voltar se incendeiam. Há outros cinqüenta anjos que têm debaixo do seu poder o raio. Quando algum espírito, dentre os nossos, quiser sair pelo mar ou pela terra, esses anjos desferem contra ele uma descarga de pedra. Com isso ateiam o fogo e fazem fender as rochas e as árvore. E quando conseguem dar conosco nos perseguem, obedecendo ao mandato daquele a quem servem. Graças a esse mandato, tu podes exercer poder sobre mim, pelo que me vejo obrigado, muito a meu pesar, a revelar-te o segredo e as coisas que não pensava dizer-te. Continuou Bartolomeu: — Que tens feito e o que continuas fazendo ainda? Revela-me, Satanás! Este respondeu: — Tinha pensado não confessar-te todo o segredo, mas, por aquele que preside ao Universo, cuja cruz me lançou ao cativeiro, não posso ocultar-te nada. Disse o Senhor Jesus a Bartolomeu: — Afrouxa-lhes as ligaduras e ordena-lhe que retorne a seu lugar até a vinda do Senhor. Quanto ao mais, já me encarregarei eu mesmo de revelar-vos. Porque é necessário nascer de novo para que aqueles que passaram pela prova possam entrar no Reino dos céus, de onde foi expulso este inimigo por sua soberba, juntamente com aqueles de cujo conselho se servia. Após isso, disse o apóstolo Bartolomeu ao Anticristo: — Volta condenado e inimigo dos homens, ao abismo até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual há de vir julgar os vivos e mortos e ao mundo inteiro por meio do fogo e a condenar-te a ti e a todos os teus semelhantes. Não tentes daqui em diante continuar praticando isso que foste obrigado a revelar. Satanás, lançando vozes misturadas com rugidos e gemidos, disse: — Ai de mim, que tenho me servido de mulheres para enganar a tantos e acabei por ser burlado por uma virgem! Agora vejo-me aferrolhado e atado com cadeias de fogo pelo seu filho e estou ardendo de péssima maneira. Ó virgindade, que estás sempre contra mim! Ainda não se passaram os sete mil anos. como, pois, me vi condenado a confessar as coisas que acabo de dizer? O apóstolo Bartolomeu, admirando a audácia do inimigo e confiando no poder do salvador, disse a Satã: — Dize-me, imundíssimo demônio, a causa pela qual foste banido do mais alto do céu. Pois prometeste revelar-me tudo. Respondeu o Diabo: — Quando Deus se propôs a formar Adão, pai dos homens, à sua imagem, ordenou a quatro anjos que trouxessem terra das quatro partes do globo e água dos quatro rios do paraíso. Eu estava no mundo naquela ocasião e o homem passou a ser um animal vivente nos quatros rincões da terra onde eu estava. Então Deus o abençoou porque era sua imagem. Depois vieram render-lhe suas homenagens Micael, Gabriel e Uriel. Quando voltei ao mundo, disse-me o arcanjo Micael: adora essa figura que Deus fez segundo sua vontade. Eu me dei conta de que a criatura havia sido feita de barro e disse: eu fui feito de fogo e água e antes do que este. Eu não adoro o barro da terra. De novo me disse Micael: adora-o, antes que o Senhor se aborreça contigo. Eu repliquei: o Senhor não se irritará comigo. Eu vou colocar meu trono contra o dele. Então Deus enfureceu-se comigo, mandou abrir as comportas do céu e me arrojou à terra. Depois que fui expulso, perguntou o Senhor aos demais anjos que estavam às minhas ordens se se dispunham a render-se diante da obra que havia feito com suas mãos e eles disseram: assim como vimos que nosso chefe não dobrou sua cerviz, da mesma maneira não adoraremos um ser inferior a nós. Naquele momento mesmo foram eles expulsos como eu. Ficamos adormecidos durante um período de quarenta anos. Ao despertar, percebi que dormiam os que estavam abaixo de mim e os despertei, seguindo meu capricho. Depois discuti com eles uma forma de lograr o homem por cuja causa fui expulso do céu. Tomada a resolução, descobri como podia seduzí-lo. Tomei em minhas mãos umas folhas de figueira, enxuguei com elas o suor do meu peito e das minhas axilas e atirei-as ao rio. Eva, então, ao beber daquela água, conheceu o desejo carnal e o ofereceu ao marido. A ambos pareceu doce o sabor e não deram conta do amargo de haverem prevaricado. Se não houvessem bebido dessa água, jamais poderia eu enredá-los, pois outro meio eu não tinha para poder superá-los senão esse. O apóstolo Bartolomeu pôs-se a orar, dizendo : — Oh, Senhor Jesus cristo! Ordena-lhe que entre no Inferno porque se mostra insolente comigo. Disse Jesus Cristo a Satã: —Vai, desce ao abismo e fica ali até minha chegada. No mesmo instante o Diabo desapareceu. Bartolomeu, caindo aos pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, começou a dizer, banhado em lágrimas: — Abba! Pai! Tu que continuas sendo único e glorioso Verbo do Pai, por que foram feitas todas as coisas; tu, a quem não te puderam conter os sete céus e que tiveste por habitar o seio de uma Virgem; a quem a Virgem gerou e deu à luz sem dor; tu, Senhor, elegeste aquela a quem verdadeiramente pudeste chamar mãe, rainha e escrava. Mãe, porque por ela te dignaste descer e dela tomaste carne mortal. E rainha porque a constituíste rainha das virgens. Tu que chamas os quatro rios e eles obedecem tuas ordens e se apressam a servi-te. O primeiro, o rio dos Filósofos, para a unidade da Igreja e da Fé, que foi revelada no mundo. O segundo, o Geon, porque foi feito da terra, ou também pelos dois testamentos. O terceiro, o tigre, porque aos que cremos no Pai, no Filho e no Espirito Santo, Deus único por quem foram feitas todas as coisas no céu e na terra, nos foi revelada a Trindade sempiterna, que está nos céus. O quarto, o Eufrates, porque tu te dignaste saciar toda alma vivente por meio do banho da regeneração, que representava a imagem dos Evangelhos que correm por toda a órbita da Terra e que te dignaste anunciar por teus servos, para que, por meio da confissão e da fé, sejam salvos todos os que crêem em teu nome grande e terrível e em teus santos Evangelhos, de maneira que possam alcançar a vida que ainda não possuem. Continuou Bartolomeu: — É lícito revelar estas coisas a todos os homens. Disse-lhe Jesus: — Pode dá-las a conhecer a todos que sejam crentes e observem este mistério que acabo de desvendar-vos. Pois entre os gentios há alguns que são idólatras, ébrios, fornicadores, maldosos, feiticeiros, malvados, que seguem as artimanhas do inimigo e que odeiam o próximo. Todos esses não são dignos de ouvir esse mistério. Mas são dignos de ouvi-lo todos os que guardam meus mandamentos, os que recebem em si as palavras de Vida eterna que não têm fim, e todos os que têm fim, e todos os que têm parte nos céus com os Santos, justos e fiéis no reino do meu Pai. Todos aquele que se hajam conservado imunes ao erro da iniquidade e hajam seguindo o caminho da salvação e da justiça, devem ouvir este mistério. E tu, Bartolomeu, és feliz, juntamente a tua geração. Bartolomeu, ao escrever todas essas coisas que ouviu dos lábios de Nosso Senhor Jesus Cristo, mostrou toda sua alegria no rosto e bendisse o Pai, o Filho e o Espirito Santo, dizendo: — Glória a Ti, Senhor, redentor dos pecadores, vida dos justo, amante da castidade. O Senhor disse, então, batendo no peito: — Eu, sou bom, manso e benigno, misericordioso e clemente, forte e justo, admirável e santo, médico e defensor de órfãos e viúvas, remunerador dos justos e fiéis, juiz de vivos e mortos, luz de luz e resplendor da claridade, consolador dos atribulados e cooperador dos pupilos; Alegrai-vos comigo, amigos meus, e recebei meu presente. Hoje vou dar-vos um dom celeste. A todos os que em mim tenham depositado suas aspiração e sua fé, e a vós, estou galardoando com a vida eterna. Bartolomeu e os demais apóstolos puseram-se a glorificar o Senhor Jesus, dizendo: — Glória a ti, pai dos céus, rei da vida eterna, foco de luz inextinguível, sol radiante e resplendor da claridade perpétua, reis dos reis, senhor dos senhores. A ti seja dada a magnificência, a glória, o império, o reino, a honra e o poder, juntamente com o Pai e o Espirito Santo. Bendito seja o Senhor Deus de Israel porque nos visitou e redimiu seu povo da mão de seus inimigos e usou conosco de misericórdia e justiça. Louvai a Nosso Senhor Jesus Cristo todas as nações e crede que ele é o juiz de vivos e mortos e o salvador dos fiéis. O qual vive e reina, juntamente com o Pai e o Espirito Santo, por todos os séculos dos séculos. Costa

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