No meio de uma crise internacional, o Brasil está colhendo os benefícios da série de reformas iniciada no final dos anos 80, quando o País começou a abrir os seus mercados. Ainda não se cumpriu toda a pauta de modernização, mas a economia mudou o suficiente para enfrentar sem muitos danos a primeira grande crise do século 21, centrada no mundo rico e não nos mercados emergentes. Desde janeiro, o FMI reduziu de 1,9% para 1,3% a previsão de crescimento das economias avançadas, mas elevou de 4,5% para 4,8% a expansão projetada para o Brasil em 2008.
O cenário desenhado no Panorama Econômico Mundial, divulgado pelo FMI nessa quarta-feira, seria inconcebível há poucos anos. A maior potência econômica, os Estados Unidos, aparece à beira de uma recessão, com crescimento previsto de 0,5% neste ano e 0,6% no próximo. O desempenho das economias avançadas poderá ser um pouco melhor, com expansão estimada em 1,3% em 2008 e 2009, enquanto as previsões para a América Latina, em cada um desses anos, chegam a 4,4% e 3,6%.
Perspectivas melhores para as novas potências da Ásia não seriam surpreendentes, em vista de seu desempenho no último quarto de século. O caso dos latino-americanos é diferente: seu currículo, durante décadas, só não foi pior que o dos mais pobres africanos, muito menos organizados politicamente, menos providos de recursos técnicos e menos preparados, depois da tardia independência, para a integração na modernidade.
Os emergentes, já se sabe, não serão imunes à piora das condições financeiras e econômicas no mundo rico. Poderão sofrer impactos importantes, se a realidade for pior que o cenário básico imaginado pelos economistas do FMI. Mas não serão varridos pela crise, como ocorria noutros tempos.
O panorama apresentado pelo Fundo é uma completa subversão dos padrões até agora aceitos como normais. Grandes erros de avaliação foram cometidos no mundo rico, tanto por autoridades como por dirigentes do sistema financeiro privado. Atos de grande imprudência foram praticados por administradores dos maiores bancos, enquanto os encarregados da supervisão do sistema assistiam tranqüilamente à preparação do desastre.
Nesse quadro, resta às economias emergentes o inesperado papel de agentes da estabilização. Se, como se calcula, conseguirem manter um robusto crescimento apesar da crise nos mercados mais desenvolvidos, contribuirão de forma importante para atenuar os efeitos de um desastre financeiro que ainda não pode ser dimensionado com segurança.
Mas as economias em desenvolvimento não chegaram ao paraíso e terão de encarar obstáculos para continuar crescendo. Muitas enfrentam pressões inflacionárias preocupantes, ocasionadas pela alta dos preços dos produtos básicos e alimentadas por vigorosa demanda. O crescimento de muitas dessas economias é amplamente baseado no uso de commodities e isso causa distorções no sistema internacional de preços.
Se continuarem agindo com sensatez, as autoridades desses países precisarão conciliar o crescimento continuado e a preservação da estabilidade de preços. Em alguns países, avaliam os economistas do FMI, será necessária uma elevação de juros. O aperto monetário será desnecessário, porém, se os governos conseguirem conter a expansão da demanda por meio de uma política mais severa de gastos públicos.
O diagnóstico e a receita são familiares aos brasileiros, mas em Brasília as autoridades do Executivo parecem hesitar em tomar o caminho mais sensato, que é o do controle fiscal, como alternativa a uma política antiinflacionária dependente em excesso do controle monetário, isto é, dos juros altos. Com uma política mais austera de gastos públicos, o Banco Central teria mais espaço para afrouxar seus controles. A situação fiscal é certamente melhor do que era no momento de implantação do real, há 14 anos, mas a agenda de reformas avançou bem menos do que o necessário.
O reconhecimento internacional da nova condição dos emergentes, incluído o Brasil, é motivo para comemoração. Mas é também uma ocasião para refletir sobre o trecho ainda não percorrido no caminho da modernização.
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