Ex-traficante, cantor de hip hop presta consultoria para orientar personagens. Ele já chegou a trocar tiros com policial do Bope que também faz parte do filme.
Aluizio Freire Do G1, no Rio Em um dos intervalos no set de filmagem de “Tropa de elite”, quando o grupo se reunia para um bate-papo mais descontraído, uma conversa na vida real entre um policial do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e um ex-traficante chamou a atenção do diretor José Padilha.
G1 Alexandre orientou atores que interpretaram traficantes no filme (Foto: Aluizio Freire)
“Andei dando uns tiros em você, hein”, diz o policial, enquanto o outro responde sem esconder um discreto sorriso: “É. Mas não acertou, irmão, eu tô aqui, né?”. O diálogo, em tom amistoso, se passa entre o ex-capitão Rodrigo Pimentel, co-autor de "Elite da tropa", livro que deu origem ao filme, e Alexandre Santos Rodrigues, 33 anos, mais conhecido como MC Jovem Cerebral, que conversou com o G1.
Adversários no passado, Pimentel e Alexandre ficaram de lados opostos mais uma vez, mas na obra de ficção. Enquanto Pimentel era encarregado de orientar os atores sobre o comportamento dos policiais, Cerebral prestava consultoria aos “traficantes” do filme. Ou seja, explicava como os criminosos falam entre eles, as gírias que costumam usar, como se vestem, além dos gestos e expressões faciais característicos usadas durante uma troca de tiros com a polícia, numa discussão e nas “duras” nos vacilões.
“Não conhecia o lado de lá. E o MC Jovem teve uma participação fundamental para o formato do filme. A gente não queria um traficante caricato. Ele soube dar a dose na medida para o desempenho dos atores. Por muitas vezes ele foi chamado pelo Padilha para participar das reuniões com a gente”, lembra Pimentel, que deu forma ao Capitão Nascimento vivido por Wagner Moura.
Divulgação/Divulgação Alexandre e seus parceiros na banda Stereo Maracanã (Foto: Divulgação/Divulgação)
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Longe do crime e já degustando alguma popularidade, o rapper, capaz de produzir centenas de idéias por minuto e verbalizá-las com a mesma energia, não ganhou o apelido de Cerebral por caso. Atual vocalista da banda Stereo Maracanã, formada há quatro anos, com a participação de Mauricio Pacheco (ex-F.u.r.t.o.), Gabriel Bubu (músico de apoio do Los Hermanos) e Ruvicio Gomes (ex-Cabeça de Negro e MV Bill), Cerebral chegou na terça-feira (9) da Europa com o grupo.
Depois de tocarem nas favelas cariocas com a ajuda de um caminhão de som batizado pela banda de Radiola Móvel, o grupo apresentou o som - que mistura capoeira com influência black, experimentações musicais feitas em estúdio, bases eletrônicas com levadas de hip hop e muita percussão - nas casas de shows de Berlim, na Alemanha; Amsterdã, na Holanda; Paris, na França; Bruxelas, na Bélgica; e cidades da Inglaterra.
“Fomos muito aplaudidos e já fechamos várias shows para o próximo verão”, comemora Cerebral, que se apresenta com a banda neste sábado(13) na 8ª edição do festival “riocenacontemporanea”.
Embora as luzes comecem a brilhar no caminho de Alexandre, ele não esquece sua origem, na favela, e sua entrada para o tráfico. Sem medo, conta tudo com a maior naturalidade. “Não tenho nada a esconder. Paguei pelos crimes que cometi e hoje me sinto um cidadão. Livre e lutando pelos meus projetos e as causas sociais que defendo”, discursa.
Pai de um menino de 15 anos e uma menina de 13, Alexandre perdeu a mãe, de 26 anos, quando tinha apenas oito meses de idade. Com ele no colo e o outro filho, de pouco mais de um ano, Joelina Cardoso dos Santos foi atingida na cabeça durante uma troca de tiros entre policiais e traficantes, na Favela da Mineira, no Catumbi, no Centro do Rio. Morreu no local, abraçada aos dois filhos.
Depois de passar por diversos abrigos para menores, Alexandre foi cooptado pelo tráfico aos 15 anos. Aos 19, foi preso durante um assalto, na Penha, subúrbio do Rio, com um amigo. Cumpriu pena durante três anos e dois meses. No presídio, voltou a estudar por conta própria e a cantar hip hop para encanto dos detentos. “Todo mundo gostava, aplaudia. Quando saí, recebi o seguinte conselho: ‘Não volta para essa vida do crime, não. Seu bagulho é a música. Você é da paz, não é da guerra.’”, lembra. “Posso dizer que agora sou da elite”, diverte-se com o trocadilho.
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