Resultados de Pesquisa

.

30 de janeiro de 2008

Bush precisa deixar de lado a retórica vazia

The New York Times*

Há seis anos, o presidente Bush começou seu discurso sobre o Estado da União com duas frases poderosas: “Enquanto nos reunimos nesta noite, nossa nação está em guerra, nossa economia está em recessão e o mundo civilizado enfrenta perigos sem precedentes. No entanto, o estado de nossa união nunca foi tão forte.”

Na noite de segunda-feira, depois de seis anos de promessas não cumpridas ou falsas e erros de proporções históricas, os EUA lutavam em duas guerras, a economia rumava para a recessão e o mundo civilizado ainda enfrentava perigos aterrorizantes - e tinha bem menos simpatia e respeito pelos EUA.

A nação está dividida em relação à guerra no Iraque, estilhaçada por políticas partidárias desumanas, borbulhando de temor econômico e atolada no debate sobre praticamente todas as questões que Bush enfrentava em 2002. E o melhor que Bush pôde oferecer foi um chamado à participação individual - idéia nobre, mas, nas mãos de Bush, só mais uma desculpa para abdicar da responsabilidade governamental.

O discurso de segunda-feira à noite nos fez pensar como ele poderia ter sido diferente se Bush tivesse aproveitado a unidade que se seguiu aos ataques do 11/9 para unir a nação, em vez de tomar para si cada vez mais poder e lançar sua desventura no Iraque. Como o discurso poderia ter sido diferente se Bush tivesse falado sério sobre o conservadorismo compassivo ou mesmo se tivesse seguido a disciplina fiscal do conservadorismo à moda antiga. Como poderia ter sido diferente se ele tivesse feito um verdadeiro esforço para obter o bipartidarismo que prometeu em 2002 e em tantas ocasiões posteriores.

Ele poderia ter usado o discurso de segunda-feira para celebrar um orçamento equilibrado, no qual os impostos levantassem dinheiro suficiente para pagar pelas necessidades genuínas da nação, incluindo serviços de saúde para as crianças pobres e a reconstrução de New Orleans. Em vez disso, Bush pediu - de novo - que seus cortes de impostos se tornem permanentes e ameaçou vetar projetos de lei que contenham gastos clientelistas excessivos, uma idéia ausente de sua agenda quando os republicanos controlavam o Congresso.

Se Bush tivesse feito seu trabalho direito ao menos nas últimas semanas, poderia ter usado o discurso para celebrar um acordo genuinamente bipartidário sobre um plano de estímulo econômico sólido. Além dos incentivos fiscais já combinados entre a Casa Branca e a Câmara, Bush poderia ter anunciado propostas sensatas para a expansão dos benefícios a desempregados e um aumento temporário nos cupons de alimentação para os cidadãos mais vulneráveis. Estas idéias não são só democratas. O independente Escritório de Orçamento do Congresso considera essas políticas de estímulo muito mais eficazes que os incentivos fiscais.

Se Bush tivesse permitido que a compaixão e o bom senso prevalecessem sobre a ideologia, teria podido usar o discurso de segunda-feira para celebrar a concessão do seguro-saúde a dezenas de milhões de crianças com pais trabalhadores. Bush vetou uma expansão do programa S-chip (que destina fundos a Estados para que eles forneçam seguro-saúde infantil a famílias de renda modesta) e nem sequer concordou em pagar por toda a cobertura existente, pois acreditava que muitos pais trocariam seus planos privados por públicos se recebessem assistência governamental para comprá-los.

Em 2003, o presidente propôs o benefício dos medicamentos com receita no programa Medicare, sua grande façanha na reforma da saúde. A proposta quase foi barrada pelos republicanos conservadores no Congresso e a vontade de Bush de tornar a saúde acessível e barata para todos os americanos desapareceu.

Bush incluiu um chamado à reforma da imigração em todos os discursos anteriores sobre o Estado da União. Mas nunca combinou essa retórica com idéias fortes ou paixão política. Um esforço no ano passado na direção de uma reforma abrangente foi derrubado pela ala direita de seu partido, que continua a espalhar ódio na campanha eleitoral. Sua solução na noite de segunda-feira: “A imigração ilegal é complicada.”

Em 2002, Bush falou da coalizão internacional que invadira o Afeganistão, do consenso das nações civilizadas em torno da necessidade de combater o terrorismo, do modo como os ataques do 11/9 uniram as nações sob a liderança dos EUA. A guerra justa no Afeganistão foi rapidamente ofuscada - e defraudada - pela loucura de Bush no Iraque. Seis anos depois, os EUA e seus aliados ainda lutam e morrem no Afeganistão e o Taleban está de volta à ativa.

Ele nem foi capaz de garantir aos americanos que a guerra no Iraque terminará num futuro próximo. Em vez disso, fez a mesma promessa vazia repetida todo ano: quando o Iraque puder se defender sozinho, os soldados americanos voltarão para casa. O ministro da Defesa do Iraque disse recentemente ao New York Times que suas forças não seriam capazes de manter a paz e defender o país plenamente antes de 2018.

O reforço de tropas de Bush conseguiu estabilizar partes de Bagdá e diminuir as baixas. Mas 2007 ainda foi o ano mais violento no Iraque desde a invasão de 2003. E o mais importante é que Bush pouco conseguiu em termos de reconciliação política, a única garantia de uma paz duradoura. Bush não fez nenhum esforço real para obter ajuda dos vizinhos do Iraque na estabilização do país.

No fim das contas, quando o assunto for o Iraque, os pronunciamentos anuais de Bush serão lembrados principalmente por suas falsas alegações - o fictício “eixo do mal”, os tubos de alumínio e o urânio africano inexistentes, armas perigosas que não eram reais. Nenhum presidente pode querer que este seja seu legado. Bush ainda tem um ano pela frente - e muitos problemas graves a enfrentar. Já é hora de ele finalmente deixar de lado o partidarismo, a fanfarrice e a retórica vazia. O estado da união é problemático. A nação anseia por liderança.

*Editorial publicado ontem pelo jornal americano

http://txt.estado.com.br/

Nenhum comentário: