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20 de janeiro de 2008

Traumatizados, ex-reféns das Farc lutam para retomar a vida

FABIANO MAISONNAVE

da Folha de S.Paulo, em Bogotá

Em novembro de 1998, aos 24 anos, o intendente Jhon Frank Pinchao e outros 60 policiais foram seqüestrados após o violento ataque das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) ao quartel de Mitú (sul), perto da fronteira com o Brasil, que deixou 43 mortos. Os oito anos e meio seguintes trariam uma dura rotina, que incluía dormir com correntes no pescoço. Durou até maio passado, quando ele escapou e andou por 17 dias até recobrar a liberdade. Tinha 33 anos. Seu desafio agora é deixar para trás também o trauma do cativeiro.

"Dificilmente se pode superar um seqüestro de quase nove anos, ficam seqüelas inapagáveis", diz Pinchao, em entrevista à Folha, na última quinta (17), nos jardins do Comando Geral da Polícia Nacional. "Achei que seria mais fácil." Hoje, ele se tornou celebridade na Colômbia. Além da fuga espetacular, é o segundo seqüestrado político a eludir a guerrilha --o outro é o atual chanceler, Fernando Araújo. Mas a história bem-sucedida não apaga enormes custos pessoais e profissionais.

Quando Pinchao estava em cativeiro, sua namorada deu à luz um menino que ele só pôde conhecer muito depois. "É complicado. Era um menino já grande, de oito anos. É diferente quando se cria um filho."

A volta ao convívio com a família tampouco tem sido fácil. "O amor que se sente pelos familiares é diferente, entro em conflito com a família por estupidez, produto do estresse acumulado nos últimos anos."

A vida profissional também estancou. "Sinto-me tão deslocado que não sei onde trabalhar. Foi tanto tempo perdido, eu perdi o contato com as atividades policiais, e isso me desatualizou. Perdi o meu ritmo de trabalho, é uma vida praticamente estática, paralisada."

Apesar de elogiar o apoio da polícia, ele diz sentir desconfiança após tanto tempo em poder das Farc. "Isso é natural. Cheguei a pensar, antes de ser seqüestrado, quando havia notícias de uma pessoa levada pela guerrilha, que [as Farc] eram guerrilheiros. Mas uma coisa é julgar as pessoas aqui de fora, e outra é viver o seqüestro. Não é possível ter nenhum encantamento com um grupo que me estava roubando tudo, a vida."

"Ouço com indignação esse tipo de comentário. No caso da [ex-candidata à Presidência] Ingrid Betancourt, diziam que ela era amante do guerrilheiro Cano, quando ela nunca viu esse senhor. Atreveram-se a dizer que ela era ideóloga da guerrilha. O que Ingrid tem feito é uma luta total contra a guerrilha, recebe tratamento inumano, castigos diários, fica acorrentada por 24 horas."

Enquanto não volta ao trabalho, contar a fuga ocupa praticamente todo o seu tempo. Nos últimos oito meses, deu várias entrevistas, viajou aos EUA e à Europa e começou a escrever um livro. O ex-refém também passou por uma cirurgia e estuda relações internacionais.

Mas Pinchao diz que não sabe se deixará a farda: "Aprendi em cativeiro que não se pode planejar as coisas. A gente sempre planejava: "Na semana que vem, começo a aprender inglês, começo a fazer exercícios". E antes de chegar a próxima semana diziam: "Arrumem a mochila, vamos embora"."

Quanto às seqüelas, ele enumera: "Quando escuto aviões de combate, sinto um temor da época do seqüestro. Ou quando ouço uma porta que fecha bruscamente. No Natal, quando escutava fogos, me causava temor. Não posso dormir em colchão mole, tem de ser duro, porque dormia sobre tábuas".

Seqüestros longos

O caso de Pinchao é praticamente único entre os mais de 23 mil seqüestros registrados nos últimos dez anos na Colômbia, mas o país tem a triste tradição de cativeiros longos.

Segundo a Fundação País Livre (FPL), especializada no tema, atualmente os seqüestrados ficam em média seis meses em cativeiro --nos anos 90, eram 18 meses. O tempo dilatado se deve ao grande número de seqüestros feitos por grupos armados ilegais, como as Farc e os paramilitares, que têm uma capacidade logística maior do que a delinqüência comum.

Especializada em atender vítimas de seqüestro, a psicóloga da FPL, Dary Lucía Nieto, diz que a readaptação não depende apenas do tempo mas também de fatores como a personalidade e as condições do cativeiro --ela lembra que recebeu um paciente com apenas 21 dias de cativeiro em pior situação do que ex-reféns que ficaram nove meses privados da liberdade.

do site:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u365262.shtml

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