BRASÍLIA - Foi protocolado ontem o requerimento propondo a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar abusos no uso do cartão corporativo do governo federal. No início da tarde de ontem, uma primeira tentativa havia sido rejeitada pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN) que recusou o requerimento com assinatura de 189 deputados e 34 senadores (são necessários 171 deputados) propondo sua criação, por um erro técnico na redação.
Garibaldi estabeleceu um prazo de até cinco dias para coleta de novas assinaturas mas, no início da noite, os líderes do PSDB e do DEM, Arthur Virgílio (AM) e José Agripino (RN), começaram a garimpar colegas pelos corredores do Senado ou em suas residências. Por volta das 20h30, Virgílio anunciou em plenário que a oposição conseguira colher 28 assinaturas.
O que levou à sua devolução no início da tarde foi o uso inadequado da palavra apoiamento na lista dos senadores, o que, regimentalmente, impede que eles sejam aceitos como subscritores da CPI. Virgílio e Agripino tentaram precipitadamente atribuir a responsabilidade ao líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que acertou com Sampaio a criação da CPI. Seria mais um sinal de má-fé do governo. Logo foram alertados que a lista saiu do gabinete de Sampaio.
A criação da CPI está cercada de tanta confusão, que muitos duvidam de sua instalação. Primeiro, a oposição defendia uma comissão mista. Jucá se antecipou e protocolou requerimento criado uma exclusiva do Senado, para mostrar que o governo não tem medo de investigação . O requerimento estava rasurado e foi devolvido por Garibaldi.
Romero Jucá e Carlos Sampaio fizeram acordo para criar uma CPI mista. Líderes governistas da base contestaram o texto e demoraram a assinar. A oposição acusou o governo de boicote, porque nenhum líder quis assinar. Líderes governistas reagem dizendo que o requerimento ficou escondido deles. O impasse atual é a ocupação dos postos-chave da investigação - o de presidente e o de relator.
A oposição reivindica um deles, ameaçando criar outra CPI, exclusiva do Senado. O governo está intransigente. Ontem, o PT da Câmara indicou formalmente o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) o relator. E o senador Neuto de Conto (PMDB-SC), convidado por seu líder, Valdir Raupp (PMDB-RO), afirmou à imprensa que aceitaria a tarefa. Regimentalmente, o comando de CPI mista é dividido entre os maiores partidos das duas Casas (o PT na Câmara e o PMDB no Senado).
A oposição reivindica rodízio, com base em seu peso numérico. Acusa o governo de montar uma CPI chapa branca para proteger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e família. Em uma questão dessas, que cerca o Palácio do Planalto, ninguém pode passar a imagem de estar querendo proteger, em vez de investigar. Fazer o presidente e o relator da mesma base, selecionados a dedo, não passa um bom sinal , afirma o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).
Guerra distribuiu à imprensa cópia de e-mail enviado a ele pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no qual defende que o Congresso possa, sob condições , tomar conhecimento das despesas consideradas sigilosas por questões de segurança. Fernando Henrique também assegura não ter qualquer preocupação com a possibilidade de a CPI investigar o uso dos cartões corporativos ou outras formas de gasto público durante seu governo, inclusive despesas dele e sua família.
Nem eu nem minha família jamais usamos recursos públicos para sufragar nossas despesas pessoais. Quanto aos gastos normais da máquina pública, inclusive no que diz respeito aos incorridos na manutenção dos palácios, nunca foram objeto de determinações específicas nossas. Se, eventualmente, não seguiram as regras e trâmites normais, é bom que isso seja identificado e esclarecido, para que os erros não se repitam , diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na correspondência o ex-presidente estimula o PSDB a colaborar para que a CPI apure falhas nos processos de controle dos gastos governamentais.
A carta foi divulgada pelo presidente do partido depois de uma reunião em que tucanos e democratas acertaram continuar lutando por um dos postos de comando da investigação, para evitar uma CPI que sirva apenas para proteger o presidente Lula e investigar o governo Fernando Henrique.
Luiz Sérgio defende que a investigação dos cartões comece pelo período em que o instrumento foi criado - na gestão tucana. Tudo é preciso ter início, meio e fim. Como é para investigar os cartões, precisamos pegar o histórico desde o seu início, sua criação . diz.
O requerimento diz que a CPI deve apurar possíveis casos de uso abusivo do chamado cartão corporativo, criado pelo decreto número 2809/98 e instituído a partir de 2001 (ano em que passou a ser efetivamente utilizado) . Sampaio admite que, embora não esteja explícito, fatos relativos ao período de criação do cartão corporativo podem ser investigados.
(Raquel Ulhôa | Valor Econômico)
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/02/15/cpi_dos_cartoes_
protocolada_mas_tem_instalacao_incerta-425664996.asp
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