Por Fábio de Castro
Em iniciativa inédita, 34 especialistas - como Mayana Zatz (USP) - participaram de audiência para dar subsídios científicos à decisão dos ministros (foto: STF)
Agência FAPESP – As células-tronco embrionárias humanas devem ser utilizadas em pesquisas científicas? A importância, dúvidas e a complexidade da questão são tão grandes que, pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública sobre um assunto em julgamento na casa.
Na audiência, realizada em Brasília na última sexta-feira (20/4), 34 cientistas apresentaram posições favoráveis e contrárias ao uso das células-tronco. O objetivo era fornecer subsídios científicos para os 11 ministros que compõem o STF.
Em março de 2005, as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas foram aprovadas no Brasil, no âmbito da Lei de Biossegurança. Em maio do mesmo ano, no entanto, o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, entrou no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo a respeito das pesquisas, sob a alegação de que estudos do gênero “ferem o direito de embriões”.
O pedido de Fonteles foi acatado no fim de 2006 pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto, que foi relator do caso. Para decidir a questão, os ministros precisarão, segundo Britto, discutir quando a vida humana começa.
O relator convocou então a audiência, para a qual convidou 18 cientistas. Outros 11 foram chamados pela Procuradoria Geral da República. Quatro foram convidados pela presidência da República e um pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Para Ayres Britto, do ponto de vista técnico não existe na Constituição um conceito claro de quando começa a vida. O subsídio oferecido pela comunidade científica, segundo ele, permitiria aos ministros do STF formular “um conceito operacional de vida”.
Para alguns dos cientistas presentes na audiência, a vida começa na fecundação. Outros alegaram que ela surge apenas no terceiro ou quarto dia, quando ocorre a nidação – processo em que a célula migra para o útero materno. Um terceiro grupo defendeu que o embrião só pode ser considerado vivo quando acontece a formação do sistema nervoso e que questões éticas que envolvem o tema impediram, até agora, o avanço de pesquisas na área.
A geneticista Mayana Zatz, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), destacou a importância de que a legislação permita as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas, que, segundo ela, são hoje as únicas com potencial para recuperar certas doenças neurológicas incuráveis.
Para Mayana, a possibilidade de serem desenvolvidas pesquisas com tais células definirá, no futuro, a existência ou não de tratamento para inúmeras doenças degenerativas que atingem a população. Segundo ela, a célula-tronco embrionária só se tornaria um feto por meio da intervenção humana, já que, para isso, ela tem de ser inserida no útero.
“O que é eticamente mais correto: preservar um embrião congelado, mesmo sabendo que a probabilidade de ele gerar um ser humano é praticamente zero, ou doá-lo para pesquisas que poderão resultar em futuros tratamentos?”, questionou.
De acordo com a cientista, 7 mil doenças genéticas degenerativas atingem mais de 5 milhões de crianças nascidas de pais normais no Brasil. “Toda célula é vida, um coração a ser transplantado é vivo, mas não é um ser humano. Estamos defendendo que, da mesma maneira que um indivíduo em morte cerebral doa órgãos, um embrião congelado possa doar suas células”, disse.
Muita discussão, pouca conclusão
Patrícia Pranke, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e diretora-presidente do Instituto de Pesquisa com Célula-Tronco, falou na audiência no STF que só a partir do quarto dia o embrião (blastocisto) pode ser implantado no útero, o único ambiente em que poderá se desenvolver. Segundo ela, os embriões ou são implantados no útero ou são congelados. “O próprio congelamento diminui a possibilidade de o embrião se desenvolver depois. Por que não doá-los para pequisa?”, disse.
Para Lúcia Braga, da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, a pergunta correta a ser feita é: qual destino será dado aos embriões que não chegam a ser implantados no útero? “Podemos ficar aqui dias discutindo quando a vida começa, sem chegar a uma conclusão”, afirmou.
Já para a professora-adjunta do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB) Lenise Martins, a vida humana começa na fecundação. Segundo ela, todo ser vivo tem fases diferentes durante o seu ciclo de vida.
Como exemplo, ela utilizou o desenvolvimento da lagarta e da borboleta, que são um mesmo animal em fases diferentes de um mesmo ciclo de vida. “O indivíduo não precisa começar a manifestar sua sabedoria para ser considerado humano. O embrião humano já é da espécie Homo sapiens mesmo que não possa ainda aprender”, afirmou.
O médico Marcelo Vacari Mazzenoti, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especializado em crianças com má-formação, também defendeu que a vida humana começa na fecundação e afirmou que a utilização de células-tronco embrionárias humanas não é necessária para a medicina atual.
“Podemos utilizar células-tronco adultas em diversas situações, como [no estudo de tratamentos contra] doença de Chagas, doenças auto-imunes, acidentes vasculares cerebrais, lesões de medula espinhal e doenças genéticas, dentre outras. Já com relação à utilização de células tronco embrionárias, não há fato objetivo e concreto que confirme a sua utilidade”, defendeu.
Mazzenoti mencionou que há 72 aplicações clínicas descritas com o uso de células-tronco adultas e nenhuma aplicação descrita de células-tronco embrionárias humanas. “Não é preciso interromper a vida para trabalhar com células-tronco.”
A professora da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) Cláudia Maria de Castro Batista defendeu a autonomia do embrião humano. Para ela, a vida humana é um processo contínuo, coordenado e progressivo que começa a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozóide.
“Uma vez que o óvulo é fecundado, forma-se a primeira célula do Homo sapiens e todo um programa de fertilização é disparado. O direito à vida e à integridade física desde o primeiro momento da existência é o princípio de igualdade que deve ser respeitado”, afirmou.
Lílian Piñero Eça, do Instituto de Pesquisas com Células-Tronco (IPCTron), fez uma exposição sobre o diálogo entre o embrião humano e sua mãe. A cientista defendeu que duas a três horas depois da fecundação, após o encontro do espermatozóide com o óvulo, o embrião já se comunica com a mãe.
“Pelo menos cem neurotransmissores são emitidos pelo embrião para os 75 trilhões de células existentes no corpo da gestante, que começa a sofrer mudanças hormonais”, disse. Segundo a pesquisadora, essa é a forma de o embrião “falar” para o corpo da mãe se preparar para a gravidez.
O coordenador da Divisão de Medicina Óssea da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Júlio César Voltarelli, questionou o que considera o principal argumento por parte dos que são contra o uso das células de embriões: que não seriam necessárias uma vez que benefícios clínicos poderiam ser conseguidos com as células adultas.
Para Voltarelli, a utilização somente de células-tronco adultas não é suficiente para tratar várias doenças auto-imunes em estágio precoce. Além disso, no caso da esclerose lateral amiotrófica, por exemplo, 95% dos pacientes morrem até os 4 anos de idade. “Só a utilização de células-adultas não é suficiente nesses casos. Precisamos utilizar células-tronco embrionárias”, disse.
{Costa}
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